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                                                           2015
                                                            

                                       MORRENDO NA PRIMEIRA PESSOA

Eliane Brum 

 

Depois de se tornar interdita e silenciada no século 20, a morte ganha cada vez mais espaço em narrativas confessionais de notáveis e de anônimos

Em 24 de julho, Oliver Sacks, escritor, neurologista e um dos pensadores mais interessantes do nosso tempo, escreveu um novo artigo sobre o seu morrer, na página de Opinião do The New York Times. Em fevereiro, ele tinha anunciado que estava com câncer no fígado, sem possibilidade de cura, em um texto belíssimo sobre a vida, que foi traduzido e publicado no mundo inteiro. Agora, aos 82 anos, Sacks começa a se sentir nauseado e enfraquecido pela doença, mas não menos encantado e curioso com a existência. Ele segue esperando com alegria a chegada das revistas científicas, ansioso pelas descobertas sobre um universo que o fascina. Semanas atrás, ele estava no campo, longe das luzes da cidade, quando se deparou com a inteireza monumental do céu “polvilhado de estrelas”. Sacks concluiu: “Esse esplendor celeste de imediato me fez perceber o quão pouco era o tempo e a vida que me restava. Minha percepção da beleza do céu, da eternidade, era inseparável da minha percepção da transitoriedade – e da morte”. Contou então seu sentimentos aos amigos que o acompanhavam, Kate e Allen, dizendo: “Eu gostaria de ver esse céu novamente quando estiver morrendo”. E os amigos garantiram que fariam com que pudesse ver as estrelas uma vez mais.

Ao nos contar sobre o seu morrer, um morrer vivo, no qual a experiência de chegar ao fim é mais uma novidade para um homem curioso com o mundo e com a existência, Oliver Sacks tornou-se um dos sinalizadores de que algo fundamental está mudando na nossa época. E de forma bastante rápida, já que nosso tempo histórico é acelerado. Embora o silêncio sobre a morte, a doença e o luto ainda persista na vida cotidiana – e talvez seja ainda o que se impõe para a maioria das pessoas –, já não vivemos a morte “envergonhada” ou “clandestina” que se estabeleceu no século 20. O doente terminal que finge que não está morrendo, para não alarmar nem a família nem a equipe médica, pode estar começando a se tornar um espécime em extinção. A morte começa a ficar desavergonhada – e especialmente confessional, bem ao tom desse momento em que se narra tudo nas redes sociais.

A história humana pode ser contada pelo modo como cada sociedade, em diferentes períodos históricos, olhou para a morte e lidou com ela. O trabalho mais completo sobre esse tema possivelmente ainda seja o do historiador francês Philippe Ariès (1914-1984), primeiro em um livro chamado História da morte no Ocidente e, depois, numa obra maior, intitulada O homem diante da morte. Nesta análise, o historiador mostra como, no século 20, a morte passou a ser escondida e calada. Não mais um evento público, mas uma espécie de não acontecimento. Na sociedade tecnicista era necessário que a morte fosse ocultada entre as paredes de um hospital, o mais asséptica possível, e imediatamente esquecida. Essa mentalidade ajuda a explicar por que, até hoje, alguém que perde aqueles que ama tem legalmente um tempo curtíssimo para se ausentar do trabalho e começar a elaborar o seu luto. Quando se espera que a ciência prolongue a vida a qualquer preço e a juventude torna-se um valor em si, a morte passa a ser um fracasso que deve ser escamoteado.

No século 20, o fim da vida tornou-se algo a ser ignorado e, assim, não precisava nem ser superado, já que o melhor seria fingir que nem mesmo tinha acontecido. “A morte no hospital, eriçado de tubos, está prestes a se tornar hoje uma imagem popular mais terrífica que o trespassado ou o esqueleto das retóricas macabras”, escreveu Philippe Ariès. A morte tornara-se quase contagiosa, e aquele que morria o portador de uma doença/má notícia cuja contaminação deveria ser evitada a todo custo pelos vivos.

No século 20, a morte se tornou tão obscena quanto o sexo na era vitoriana; e o luto, tão secreto quanto a masturbação

Outro pensador, o antropólogo britânico Geoffrey Gorer (1905-1985), escreveu um ensaio sobre o que chamou de Pornografia da Morte. “Hoje a morte e o luto são tratados com o mesmo pudor que os impulsos sexuais há um século”, afirmou. A interdição do sexo, na era vitoriana, tinha sido substituída pela interdição da morte, no século 20. A morte teria se tornado obscena e feia e, portanto, deveria ser escondida. E o luto, circunscrito ao âmbito privado, havia se tornado tão secreto e individual como a masturbação.

Como acontece tantas vezes, a arte antecipou a interpretação da sua época. Essa mudança no olhar sobre a morte consolidada no século 20 já podia ser detectada, no final do século 19, na pequena obra-prima de Tolstói: A morte de Ivan Ilitch. Em um seu livro Educação para a morte – Temas e reflexões, a psicóloga brasileira Maria Júlia Kovács assim analisa a novela do escritor russo: “Ninguém quer falar sobre o que está acontecendo com o doente, nem ele próprio, que sofre, geme, mas nada diz. Os familiares também sofrem, não sabem o que fazer, mas fingem que está tudo bem”. Apesar de todos tentarem banalizar o acontecimento, transformando-o num não acontecimento, o doente, embora nada diga, sabe o que vive.

O século 21, este que testemunhamos nascer, começa a engendrar um outro olhar sobre a morte, cujos sinais já podiam ser percebidos nas últimas décadas do anterior. A história, como se sabe, é movimento e conflito. O próprio surgimento do conceito de “Hospice” e da prática dos “cuidados paliativos”, nos anos 60 do século passado, com a ideia de que cuidar é mais importante do que curar e de que é preciso escutar aquele que vive o seu morrer, começou a colocar em xeque o silenciamento da morte.

Hoje, não são apenas as séries de TV e os filmes no cinema que passaram a abordar a morte, a doença e o envelhecimento com frequência cada vez maior. Neste novo olhar sobre o fim da vida, a internet, com as redes sociais, tem desempenhado um papel central e crescente. Se a literatura nunca deixou de ter a morte como tema, o morrer vem tornando-se uma narrativa confessional, de não ficção, escrita na primeira pessoa do singular.

Oliver Sacks não foi o primeiro a escrever sobre o fim da vida neste século. Longe disso. Em 2005, a jornalista Joan Didion publicou um livro, O ano do pensamento mágico, em que contava sobre a morte do marido e o seu luto. Logo no início faz uma síntese sobre a condição humana: “A vida muda num instante. Você se senta para jantar e a vida que você conhecia acaba de repente”. Essa mistura de narrativa confessional com investigação jornalística entrou para a lista dos mais vendidos em vários países, inclusive no Brasil. Mais tarde, em 2011, Didion lançaria Noites Azuis, sobre a morte da única filha, seu próprio envelhecimento e sua solidão. Este último livro é a história da mulher que restou, a narrativa de quem se descobriu sozinha para testemunhar o próprio fim. Portanto, um relato ainda mais duro e perturbador, que parece ter sido mais difícil para os seus leitores. Didion agora se vê às voltas com formulários de hospital, onde fazem a ela uma pergunta que não pode responder: quem chamar numa hora de emergência? Já não há.

Susan Sontag, que morreu sem se reconciliar com a morte, escreveu sobre como o câncer foi a morte “suja” do século 20

Em 2008, o escritor e analista político David Rieff lançou um livro sobre como foi testemunhar o fim da vida da mãe, a pensadora americana Susan Sontag, morta pelo terceiro câncer de sua trajetória quatro anos antes, aos 71. David deu à obra um título pungente: Nadando em um mar de morte – memórias de um filho. Susan Sontag publicou livros fundamentais sobre o tema. Em Metáforas da doença, escrito quando ela já tinha lidado com um câncer no seio e o superado, Sontag analisa como a tuberculose foi a morte romântica, no século 19, e o câncer, doença-símbolo do século 20, a morte “suja”. Defende também que o câncer seja tratado como uma doença, loteria genética, e não como uma ideia que chegou a ser muito popular e ainda persiste em alguns meios, de que a pessoa teria “feito” o seu câncer ou o “atraído”, por repressões sexuais e questões psicológicas mal resolvidas.

Susan Sontag, nas palavras do filho, ao mesmo tempo sentia pavor da morte e obsessão pela morte. Morreu sem jamais se reconciliar com a ideia de morrer. Mesmo sendo informada pelos médicos que um transplante de medula teria escassas chances de êxito no seu caso, ela escolheu fazê-lo. Quando soube que a cirurgia fracassara, estava presa a 300 metros de tubos, por onde eram injetadas as substâncias que a mantinham viva, e perguntando o que mais os médicos podiam fazer por ela. Morreu coberta de hematomas e feridas, esperando “vencer” o câncer, sem se despedir de ninguém e sem permitir que se despedissem dela. Foi a sua escolha, só ela poderia fazê-la. “Era impossível até eu dizer que a amava, porque fazer isso teria significado dizer: ‘você está morrendo’”, escreveu David Rieff, num livro que enfrenta as perguntas espinhosas sobre o lugar de um filho diante do morrer da mãe, na singularidade de cada história, sempre particular e irrepetível.

Mortality, aqui no Brasil traduzido como Últimas palavras, é baseado nas colunas publicadas na revista americana Vanity Fair pelo escritor, jornalista e grande polemista Christopher Hitchens, um feroz defensor do ateísmo que se manteve fiel a suas ideias até o fim. Ele morreu de câncer em dezembro de 2011, aos 62 anos, e o livro foi lançado em 2012. Com o mesmo desassombro e a ironia que sempre caracterizaram seus artigos, Hitchens discorreu sobre a vida no que chamou causticamente de “Tumorlândia”.

No estilo que o fez angariar tanto admiradores quanto inimigos ao longo de uma extensa coleção de polêmicas, ele sugeriu a criação de um “Manual de Etiqueta do Câncer”, destinado “aos doentes e também aos simpatizantes”. Hitchens explica: “Meu manual teria de impor deveres a mim, bem como àqueles que falam demais, ou de menos, na tentativa de disfarçar o inevitável constrangimento nas relações diplomáticas entre Tumorlândia e seus vizinhos”. Ele gostaria de lembrar às pessoas, em geral, que não circulava por aí com um enorme broche de lapela no qual estava escrito: “PERGUNTE-ME SOBRE CÂNCER DE ESÔFAGO EM METÁSTASE NO QUARTO ESTÁGIO E APENAS SOBRE ISSO”. É um livro tão vivo este em que Christopher Hitchens escreve sobre o seu morrer que, ao terminá-lo, sentimos imensa saudade do seu autor.

O livro de maior sucesso deste século 21 transformou seu autor numa “celebridade” antes de sua morte

 Mas o marco deste início de século, na escrita sobre a morte e especialmente sobre o câncer, é possivelmente o livro de Randy Pausch. Nenhuma obra sobre o tema foi tão festejada e popular quanto A lição final. E não por acaso. Morto de câncer pancreático em 2008, o professor universitário Randy Pausch construiu uma narrativa bem ao gosto da cultura americana, marcada pela divisão entre losers (perdedores) e winners (vencedores). A sua era uma escrita de “superação” da adversidade, da “batalha” contra a doença, uma jornada do herói adaptada ao tão difundido discurso no senso comum e nos meios médicos do “guerreiro que lutou até o fim a guerra contra o câncer”. Randy morreu, mas como um “vencedor”, já que havia tornado seu câncer um “case” de sucesso. Não pôde “vencer” a doença, mas, naquilo que parecia essencial para ele e para a sociedade em que vivia, vencera. Naquele momento, era bastante revelador que, depois de tanto silêncio, a mais comentada era uma morte “bem-sucedida”, materializada num best-seller internacional que rendeu milhões de dólares e transformou seu autor numa celebridade.

Tudo indicava que esta poderia ser a linha narrativa preponderante do nosso tempo: a morte a serviço da superação e do sucesso, da indústria e do culto a celebridades. Falada, sim, mas apenas para mais uma vez encobrir a dor e os conflitos da condição humana. Não é o que tem acontecido, como provam a escrita de Christopher Hitchens, de Joan Didion e do próprio Oliver Sacks, entre vários outros. Não há uma forma “certa” nem “errada” de falar sobre a doença e a morte, seja a própria ou a de quem amamos. Do mesmo modo que não há nenhuma narrativa acima de um debate honesto sobre o que diz de sua época e sobre como a influencia, mesmo sendo seu autor alguém que está morrendo.

A morte é lambuzada de vida e de humanidades. Há tantas formas de pensar sobre ela quanto vivedores e morredores. A beleza, mesmo quando brutal, é quando essas narrativas são capazes de enfrentar a complexidade deste momento, com todos os sentimentos ambíguos e as contradições que o povoam. Seria uma pena, afinal, reduzir um momento tão abissal quanto inescapável a um manual pobre do “morrer bem”. Como na frase que adoro: “A morte não é o contrário da vida, a morte é o contrário do nascimento. A vida não tem contrários”.

“Hello! Eu tenho câncer!”, disse a comediante Tig Notaro em um stand-up histórico

Minha expectativa de que estamos num novo momento no que se refere ao olhar sobre a morte aumentou ao acompanhar a história de Tig Notaro, 44 anos. Comediante de stand-up, a americana Tig pensava em ter um filho, em 2012, quando primeiro foi atingida por uma infecção que quase a matou. Logo depois da alta do hospital, perdeu a mãe, que nas suas palavras era a pessoa que mais a enxergava, compreendia e incentivava. Tig descobriu-se sem chão. Mas não era tudo. Em seguida, ela soube que tinha câncer no seio.

Tig estava às vésperas de um show. E agora, deveria fazê-lo? A humorista pensou que, afinal, depois de tudo o que acabara de viver, era muito ridículo ter ainda por cima um câncer. Subiu ao palco e fez um espetáculo considerado histórico.

–Hello, good evening, hello! Eu tenho câncer. Como vão vocês? Todo mundo se divertindo? Fui diagnosticada com um câncer...

Ainda que possa parecer apenas bizarro, quando aqui reproduzido, assistindo ao show percebemos que Tig conseguiu fazer algo sofisticado e profundo com o câncer e o medo de morrer: conseguiu fazer humor. Ela não negava a dor da sua condição, mas a usava para produzir arte, reflexão e... riso. Sem que tivesse planejado essa performance, sua carreira deu um salto. Logo Tig estava na capa de revistas, em talk shows na TV.

Neste ponto, eu temi que ela poderia se tornar uma espécie de “celebridade do câncer” e nunca mais pudesse falar de outra coisa. Mas, se o que fez com a doença a colocou num outro lugar, e este é um fato, o caminho de Tig parece ser o de colocar o câncer, o luto pela mãe, os fracassos reprodutivos e também o sucesso no contexto de uma vida com um pouco de tudo, às vezes bastante de alguma coisa, mas não monotemática.

Essa escolha, pelo menos, é o que aparece num documentário sobre o seu percurso, lançado em julho deste ano pelo Netflix, chamado apenas “Tig”. A dela é uma história em aberto, como qualquer outra, e a vimos frágil e confusa diante do futuro. Acompanhamos a artista em seu dilema sobre fazer ou não um tratamento reprodutivo, na tentativa de ter um filho, e arriscar-se a aumentar as chances de o câncer voltar por conta dos hormônios; compartilhamos sua ansiedade para que o embrião vingue numa barriga de aluguel, assim como o seu amor por uma outra mulher, que num primeiro momento a rejeita, porque até então só tinha tido relacionamentos heterossexuais. E testemunhamos também sua insegurança sobre com que material trabalhar em seus shows, depois de ter alcançado um nível tão paradigmático ao levar o câncer para o palco.

Mas talvez o momento-síntese da narrativa de Tig sobre o câncer e a possibilidade de morrer seja uma cena que não está no documentário, apesar de mencionada. Em novembro de 2014, Tig tirou a camisa no palco, mostrando a ausência do que a doença lhe arrancou, numa mastectomia dupla sem cirurgia de reconstrução, e as suas cicatrizes. Até aí, poderia ser apenas uma espécie de “performance de choque”, um truque para ganhar a plateia. Depois do impacto inicial, porém, o público acolheu e superou essa nudez assinalada pela doença e pela condição humana, graças ao talento de Tig.

Como disse o crítico Jason Zinoman: “Tig Notaro mostra que o humor não apenas consegue transformar tragédia em comédia, como também é capaz de

desviar a atenção das pessoas da imagem mais vendida e objetificada da cultura popular: o corpo feminino nu”. Ali estava alguém dolorosa e alegremente viva que não negava suas marcas. Essa transcendência coletiva foi um grande momento de vida, com toda a incerteza e a fragilidade que é viver como um ser que se sabe para a morte.

“E o meu direito de não querer viver?”, pergunta a leitora

Minha aposta é de que o mais fascinante deste novo olhar sobre a finitude humana possivelmente ainda virá. E virá não por aqueles que já têm um lugar de escuta, mas pelos anônimos que começam a produzir narrativas na internet sobre o envelhecimento, a doença e a morte. Assim como as redes sociais vêm produzindo tanto sobre tudo – e não só discursos de ódio –, também autorizaram um dizer que revela como cada um se coloca diante da mortalidade. Se a internet permitiu que aqueles que comungam de desejos sexuais considerados fora dos padrões se encontrassem e pudessem viver sua expressão de forma consensual, entre adultos, também começa a se estabelecer como um lugar de confissão e de troca sobre luto, perdas e morte. Um espaço para narrativas múltiplas, para viveres múltiplos do morrer. Quando uso a palavra “fascinante”, não estabeleço se é bom ou mau, apenas que estamos diante de algo instigante e talvez surpreendente, exatamente porque contraditório.

Meses atrás, a carta de uma leitora de 78 anos no Painel do Leitor da Folha de S. Paulo me impactou. Ao discordar da abordagem de um artigo sobre o desejo e o envelhecimento, ela assim se colocou: “Quem leu Simone de Beauvoir vai me entender. São inócuas as ‘cenouras’, surpresas ou prazeres externos quando você tem a noção de que, por dentro, está apodrecendo aos poucos. Chegar a esta constatação é de uma crueldade ímpar. Não há sorriso de neto que consiga esvanecê-la. Acima de tudo, não quero mais lidar com essas mazelas e, para isso, estou em plena e ocupada fase de desapego. Para mim, chega. E o meu direito de não mais querer viver? Onde fica?”.

O que importa aqui não é concordar ou discordar, até porque cada um sabe de sua dor e de suas escolhas. O fato é que já é possível dizer e já existe espaço para ser escutado, mesmo que o que você tenha para dizer esteja fora do senso comum e da publicidade sobre a “terceira idade”, fora do manual e dos discursos edificantes ou das “lições de vida” bem comportadas.

Em um artigo interessante sobre esse fenômeno das narrativas de morte em tempo real, o jornalista Lee Siegel lembra do depoimento de uma mulher na coluna Private Lives (Vidas Privadas), do The New York Times, marcado por uma crueza sem qualquer pudor: “Por falar de perdas, não perdi somente meu marido e minha vida, perdi também os meus cabelos. Recentemente um policial me mandou encostar o carro por ficar parada. O tráfego estava sendo redirecionado, mas eu havia congelado e retinha uma longa fila. Levantei as mãos, esperando ser algemada, dizendo que não há nada que você possa fazer comigo que seja pior do que já foi feito. Ele disse: ‘Que história é essa, madame?’. Eu disse: ‘Não tenho marido, não tenho amigos, não tenho cabelo’”.

“Vamos falar sobre o luto?” é uma das plataformas lançadas na internet em 2015

O mesmo Times tem um outro espaço, The End, com depoimentos sobre o morrer, o luto e sobre o cuidar de quem tem uma doença. No Brasil, a Folha de S. Paulo criou, em outubro de 2014, um blog chamado Morte Sem Tabu, produzido pela dramaturga Camila Appel. Por todo o país, usando as redes sociais, surgiram e surgem grupos para compartilhar experiências de perda, como o Mães Sem Nome, que reúne pessoas de diferentes classes sociais e histórias de vida: “Quando um (a) filho (a) perde seus pais fica órfão (ã). Quando perdemos o marido/esposa ficamos viúvos (as). Quando a mãe perde seu filhos, não tem nome”. Em junho deste ano, sete amigas que perderam pessoas que amavam lançaram uma plataforma na internet para a escuta deste momento tão profundo e em geral solitário: “Vamos falar sobre o luto?”. Os muros de silenciamento rompem-se por todos os lados.

Em 2008, acompanhei como repórter os últimos 115 dias de vida de uma mulher com um câncer incurável. Também testemunhei por meses a rotina de uma enfermaria de cuidados paliativos de São Paulo, liderada por uma médica especialíssima, Maria Goretti Maciel, na qual se acreditava mais na largura da vida do que no seu comprimento: mais importante do que prolongar a vida a qualquer preço, em geral um preço alto, era garantir a qualidade da vida que restava. Assim como mostrava-se fundamental respeitar e acolher o modo como cada um escolhe viver esse momento, sem dogmas nem julgamentos. Não era um lugar em que a humanidade era dividida entre “perdedores” e “vencedores”, nem o tratamento da doença, em geral câncer, era encarado como uma “guerra”. O fundamental era garantir as condições para que cada um pudesse escolher como viver o tempo que tinha, sem tratamentos inúteis, dolorosos e invasivos, cercados por quem amava ou mesmo solitário, caso este fosse o seu desejo. Do como viver a sua morte, só sabe aquele que a vive.

Naquela ocasião, ao decidir contar a morte em geral silenciada, aquela causada pela doença e pela velhice, calada exatamente por ser a da maioria – e não a morte violenta, provocada por crimes, acidentes e catástrofes, mais comum à narrativa jornalística –, fui seguidas vezes acusada de “mórbida”. Eu retrucava, dizendo que era o contrário. Mórbido era aquilo que nos paralisava, o medo que não podia ser nomeado ou pronunciado.

Ao calarmos sobre o envelhecimento, a doença e a morte, perdíamos uma oportunidade insubstituível para pensar sobre a vida – e em especial sobre o tempo. Eu tinha sido transformada para sempre por uma frase de Ailce de Oliveira Souza, a mulher que me permitiu contar o seu morrer, num enorme ato de confiança. Logo no nosso primeiro encontro, ela, que acabara de se aposentar e tinha começado a viver aventuras até então adiadas, disse: “Quando eu tive tempo, descobri que meu tempo tinha acabado”. Sou imensamente grata por esta frase, que multiplicou a largura da minha vida.

Hoje, passados menos de dez anos, acredito que não seria mais acusada de “mórbida”. Não tanto, pelo menos. Homens e mulheres anônimos começaram a dizer de si de forma desassombrada. Não sei o que escutaremos nem o quanto esses tantos dizeres vão influenciar nossa forma de encarar a finitude de nossa condição. Mas essa possibilidade de falar e de ser escutado também sobre o envelhecimento, a doença, a perda e a morte me encanta. Espero apenas que continue existindo espaço não para o silenciamento, esse ato que nos reprime e aniquila, mas para o silêncio daqueles que preferem se recolher dentro de si e da casa e nada dizer. Que falar e “confessar” não vire um novo imperativo ou dogma. Que exista espaço para todas as formas de ser, viver e morrer.

Mas a interrogação que mais me move neste momento é: o que diremos agora que podemos dizer?

Escutar o outro é arriscar-se ao outro. É viver.


                                                          
                             ONCOVET INTEGRA ESPECIALISTAS PARA INVESTIGAR CÂNCER EM ANIMAIS   

Publicado em Pesquisa, USP Online Destaque por Aline Naoe em  10 de junho de 2014      
Foto: Marcos Santos / USP Imagens
Foto: Marcos Santos / USP Imagens

À medida que a relação entre pessoas e animais foi se tornando mais estreita e afetuosa, também cresceu a preocupação da medicina veterinária em oferecer mais qualidade e tempo de vida aos bichos de estimação. Cerca de trinta anos atrás, pouco restava ao dono de um animal com uma doença grave, como o câncer, a não ser o sacrifício. Hoje, tanto o diagnóstico como o tratamento do câncer animal apresentam progressos e perspectivas muito mais otimistas.

Mas a oncologia veterinária ainda é uma especialidade relativamente nova, embora venha despertando o interesse de cada vez mais profissionais, que se reúnem em associações e eventos específicos da área. Buscando dar impulso a estudos integrados, aproveitando as diversas competências oferecidas por áreas como patologia, clínica e cirurgia, foi criado em 2012 o Núcleo de Apoio à Pesquisa em Oncologia Veterinária, o Oncovet, sob a coordenação da professora Maria Lucia Zaidan Dagli, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP.

“A oncologia é multidisciplinar por essência”, afirma a veterinária. A física, por exemplo, é uma das áreas envolvidas nas pesquisas do núcleo, em especial quando se fala em tratamento. É o caso da eletroquimioterapia, uma técnica estudada pelo grupo e que envolve a aplicação de correntes elétricas no tumor, desestabilizando a membrana celular e facilitando a entrada de agentes que combatem as células tumorais.

TRATAMENTO E PREVENÇÃO

Atualmente, muitas das pesquisas do Oncovet vêm se voltando a novos tratamentos contra o câncer. Além da eletroquimioterapia, a terapia fotodinâmica também vêm despontando como uma forma de tratar os tumores de forma menos agressiva, com menos efeitos colaterais.

Em 2013, Maria Lucia passou a orientar uma pesquisa de doutorado que investiga o uso de um componente da toxina do Bacillus anthracis (a mesma bactéria que já foi usada como arma biológica nos Estados Unidos) no tratamento do melanoma oral de cães, um tipo bastante comum de câncer nesse animal. “Faremos o primeiro ‘clinical trial’ [ensaio clínico] em cães no Brasil”, conta a professora. O estudo é uma parceria com o National Institutes of Health, nos Estados Unidos, que também vem investigando os efeitos terapêuticos dessa toxina.

“Vamos começar com o melanoma e, se der certo, vamos começar a testar para outros tipos de tumor também”, afirma a coordenadora do Oncovet. Segundo Maria Lucia, os estudos sobre determinado tipo de câncer animal não apenas podem contribuir com para a compreensão dos demais tipos, como também ser usados para estudar o modelo humano – e vice-versa.

Eletroquimioterapia, terapia fotodinâmica, e cirurgia estão entre as modalidades de tratamento na oncologia veterináriaoncologia-animal-03_marcos_Santos_USP_imagens

E assim como o câncer humano, também há campanhas de prevenção para os animais. Pesquisadores do núcleo da FMVZ participam com frequência de campanhas de prevenção ao câncer de mama em cadelas. “Trata-se de um tipo muito fácil de controlar, basta castrar as cadelas em idade precoce”, explica a professora.

O câncer de mama em cães é muito fácil de controlar, basta castrar as cadelas em idade precoce.

Veterinários promovem encontros em locais como o Parque Ibirapuera, em São Paulo, para aconselhar os donos dos animais e ensinar a apalpar as mamas para identificar possíveis tumores.

REGISTRO DE CÂNCER ANIMAL

Uma forma de acompanhar o impacto deste tipo de campanha é observar se há mudanças no número de casos ao longo do tempo. Essa é uma das medidas que serão viabilizadas com a criação do Registro de Câncer Animal na cidade de São Paulo.

Pesquisador do Núcleo desenvolve em São Paulo primeiro registro de câncer animal do hemisfério suloncologia-animal-01__Marcos_Santos__usp_imagem

Trata-se de um projeto desenvolvido atualmente na dissertação de mestrado do veterinário Marcello Vannucci Tedardi. “Quando queremos estudar a epidemiologia do câncer, é necessário um sistema que registre todas as ocorrências na população. Isso já existe para os seres humanos e agora estamos criando para os animais”, relata a professora Maria Lucia.

Tedardi desenvolveu um software para o registro de casos, que é feito pelos próprios responsáveis por clínicas veterinárias em São Paulo por meio de um tablet que lhes é fornecido. As diversas informações sobre o tipo de câncer e o desenrolar do tratamento vão alimentando um banco de dados que, futuramente, será disponibilizado em uma página na internet.

Já foram registrados cerca de 10 mil casos. “Existem poucos registros de câncer animal no mundo e este é o primeiro do hemisfério sul”, afirma a orientadora do trabalho. O projeto tem a co-orientação da professora Maria do Rosário Dias de Oliveira Latorre, uma das assessoras científicas do Registro de Câncer de Base Populacional do Município de São Paulo, que serviu de modelo para o desenvolvimento do Registro de Câncer Animal.

 


                                                            2013
                                     

          STA. MARIA - A MAIOR TRAGÉDIA DE NOSSAS VIDAS

 

Por Fabrício Carpinejar. "Poeta, cronista e louco pela verdade a ponto de mentir"

 

Morri em Santa Maria hoje. Quem não morreu? Morri na Rua dos Andradas, 1925. Numa ladeira encrespada de fumaça.

A fumaça nunca foi tão negra no Rio Grande do Sul. Nunca uma nuvem foi tão nefasta.

Nem as tempestades mais mórbidas e elétricas desejam sua companhia. Seguirá sozinha, avulsa, página arrancada de um mapa.

A fumaça corrompeu o céu para sempre. O azul é cinza, anoitecemos em 27 de janeiro de 2013.

As chamas se acalmaram às 5h30, mas a morte nunca mais será controlada.

Morri porque tenho uma filha adolescente que demora a voltar para casa.

Morri porque já entrei em uma boate pensando como sairia dali em caso de incêndio.

Morri porque prefiro ficar perto do palco para ouvir melhor a banda.

Morri porque já confundi a porta de banheiro com a de emergência.

Morri porque jamais o fogo pede desculpas quando passa.

Morri porque já fui de algum jeito todos que morreram.

Morri sufocado de excesso de morte; como acordar de novo?

O prédio não aterrissou da manhã, como um avião desgovernado na pista.

A saída era uma só e o medo vinha de todos os lados.

Os adolescentes não vão acordar na hora do almoço. Não vão se lembrar de nada. Ou entender como se distanciaram de repente do futuro.

Mais de duzentos e cinquenta jovens sem o último beijo da mãe, do pai, dos irmãos.

Os telefones ainda tocam no peito das vítimas estendidas no Ginásio Municipal.

As famílias ainda procuram suas crianças. As crianças universitárias estão eternamente no silencioso.

Ninguém tem coragem de atender e avisar o que aconteceu.

As palavras perderam o sentido.

                                                                                                         

                                                ESCOLHER A MORTE

 

Affonso Romano de Sant’Anna

(Estado de Minas/Correio Brasiliense 27.01.2013)

 

Esses são os fatos recentes:

1.Walmor Chagas matou-se no seu sítio em Guaratinguetá. Os jornais ficaram meio constrangidos sem saber o que dizer ou como aprofundar o assunto. Era um belo ator, amado pelo público e, de repente, desistiu de seu corpo.

2.Um ministro japonês declarou que deveríamos ajudar os mais velhos a morrer, porque eles causam muitas despesas ao governo, além do mais, eles não têm mais nada que fazer na vida.

3. Há esse filme – “L’Amour”com Jean Louis Trintigant e Emmanuelle Riva, que tratando da decrepitude de um casal depois dos oitenta anos ( a solidão, o amor e a morte), está ganhando todos os prêmios; e as pessoas que o assistem saem atônitas entre a vida e morte

A esses fatos recentes, poderia somar algo que se passou com Rubem Braga, cujo centenário de nascimento foi fartamente retratado em reportagens e crônicas em todos os jornais. No entanto, esqueceram de dizer que Rubem Braga decidiu como ia morrer. Tendo um incurável câncer na garganta, não querendo se submeter às humilhações de um tratamento que pouco prometia, reuniu uns amigos em sua casa, bebeu uísque com eles, no dia seguinte comprou umas frutas de que gostava na feira próxima de sua casa, pegou um taxi foi para o hospital, internou-se, e ali um médico amigo, ajudou-o morrer. Como diria um humorista, no dia seguinte, quando acordou, estava morto.

Aliás na crônica “Berço do Mata-borrão”que está no livro “As boas coisas da vida”ele fala dessa preparação para a morte, da ida à Santa Casa, a busca de um crematório, etc. Vejam: o título do livro- fala das “boas coisas da vida”. E a morte faz parte da vida. Deveria deixar de ser uma coisa ruim para ser uma coisa normal, que se deve organizar.

Poderia também dizer que todos os dias abro o jornal e me surpreendo com amigos morrendo. Andam morrendo demais ultimamente. Evidentemente não é “ultimamente”. É que “depois de uma certa idade”como disse uma amiga, que aliás, já morreu, “depois de certa idade, isto acontece”.

E nossos amigos e parentes estão perdendo a memória. Alguns estão usando cadeira de roda. Vejo numa praça perto de minha casa, eles sentadinhos, velhinhos, tomando sol, uma empregada ao lado. Outro dia um amigo americano narrou que vendeu tudo e foi para uma magnífica clinica de repouso -tipicamente americana- para esperar a morte com sua mulher. A mulher morreu antes. Ele me mandou uma linda carta, nada fúnebre, sobre como foi jogar suas cinzas onde ela queria.

Claro que há pessoas excepcionais. Uma pessoa querida, de 96 anos, me disse que fez uma conferência na Arcádia Mineira sobre a evolução dos estilos musicais da Idade Média aos nossos dias. Manolo Grana, genro do Drummond, com 96 anos, está terminando a tradução do meu “A grande fala do Índio Guarani”. A querida professora Angela Leão fez 90 anos publicando seus trabalhos sobre “As cantigas de Santa Maria”escritas por Afonso X- O Sábio.

No entanto, estou falando de nós outros pobres mortais. E volta e meia me lembro de um filme dos anos 70 que marcou muita gente-“Soylent Green”. Profeticamente, projetavam um mundo futuro ( acho que é esse em que vivemos) onde haveria uma série de problemas e que era dado aos indivíduos escolher o dia e a hora em que morreriam. A cena era maravilhosa: o sujeito entrava numa ampla sala, ficava deitado enquanto projetavam nas amplas telas cenas idílicas da natureza, ao som da Sinfonia Pastoral de Beethoven. Era uma morte divina, harmoniosa, natural.

Outro dia no “Fantástico”,vi que um cientista japonês ( terra daquele mesmo ministro que está sugerindo o fim dos velhinhos) descobriu uma água viva que nunca morre.Ela vai ficando velha, de repente, o organismo dela dá uma contraordem e ela renasce dela mesmo. Estão pensando em pegar células dessa criatura, e injetar na gente.

Estou fora.

Tem gente que acha que deve ficar decrépita, dando trabalho aos outros, porque Deus mandou. Cada um com sua crença ou descrença.

Sou a favor da morte programada, escolhida com antecedência. Estou pensando até em publicar uma antologia de poemas chamada “Aprendizes da morte”.

É isso aí: Oh! Morte! Os que vão viver/morrer te saúdam!

 

COMENTÁRIO DE MARIZA BAUR
advogada, jornalista e escritora

 Belo texto Affonso Romano, a morte deveria ser encarada de forma mais natural. Será que a culpa não é do século XX que tirou a morte de casa e a escondeu nos hospitais? Lúcida a última escolha do Rubem Braga, me remeteu ao filme "Invasões Bárbaras", lembra? Inesquecível a morte do personagem principal. O recente "E se vivêssemos todos juntos" sabe abordar o envelhecer e o morrer. Quando realizava um programa de entrevistas, na Biblioteca de São Paulo, em 2010, um dos temas que escolhi foi "Educação para a Morte" - não precisa dizer que havia poucos na platéia. E a professora Julia Kovács, minha entrevistada, autora do livro com este título, soube nos encantar com um tema que não deveria mas causa tanta perplexidade. Recomendo o livro: Educação para a Morte - Temas e Reflexões.

 

                                                                                     2012 


                                                           SOBRE A MORTE E O MORRER

Rubem Alves

 

O que é vida? Mais precisamente, o que é a vida de

um ser humano? O que e quem a define?

Já tive medo da morte. Hoje não tenho mais. O que sinto é uma enorme tristeza. Concordo com Mário Quintana: "Morrer, que me importa? (...) O diabo é deixar de viver." A vida é tão boa! Não quero ir embora...

Eram 6h. Minha filha me acordou. Ela tinha três anos. Fez-me então a pergunta que eu nunca imaginara: "Papai, quando você morrer, você vai sentir saudades?". Emudeci. Não sabia o que dizer. Ela entendeu e veio em meu socorro: "Não chore, que eu vou te abraçar..." Ela, menina de três anos, sabia que a morte é onde mora a saudade.

Cecília Meireles sentia algo parecido: "E eu fico a imaginar se depois de muito navegar a algum lugar enfim se chega... O que será, talvez, até mais triste. Nem barcas, nem gaivotas. Apenas sobre humanas companhias... Com que tristeza o horizonte avisto, aproximado e sem recurso. Que pena a vida ser só isto...”

Da. Clara era uma velhinha de 95 anos, lá em Minas. Vivia uma religiosidade mansa, sem culpas ou medos. Na cama, cega, a filha lhe lia a Bíblia. De repente, ela fez um gesto, interrompendo a leitura. O que ela tinha a dizer era infinitamente mais importante. "Minha filha, sei que minha hora está chegando... Mas, que pena! A vida é tão boa...”

Mas tenho muito medo do morrer. O morrer pode vir acompanhado de dores, humilhações, aparelhos e tubos enfiados no meu corpo, contra a minha vontade, sem que eu nada possa fazer, porque já não sou mais dono de mim mesmo; solidão, ninguém tem coragem ou palavras para, de mãos dadas comigo, falar sobre a minha morte, medo de que a passagem seja demorada. Bom seria se, depois de anunciada, ela acontecesse de forma mansa e sem dores, longe dos hospitais, em meio às pessoas que se ama, em meio a visões de beleza.

Mas a medicina não entende. Um amigo contou-me dos últimos dias do seu pai, já bem velho. As dores eram terríveis. Era-lhe insuportável a visão do sofrimento do pai. Dirigiu-se, então, ao médico: "O senhor não poderia aumentar a dose dos analgésicos, para que meu pai não sofra?". O médico olhou-o com olhar severo e disse: "O senhor está sugerindo que eu pratique a eutanásia?".

Há dores que fazem sentido, como as dores do parto: uma vida nova está nascendo. Mas há dores que não fazem sentido nenhum. Seu velho pai morreu sofrendo uma dor inútil. Qual foi o ganho humano? Que eu saiba, apenas a consciência apaziguada do médico, que dormiu em paz por haver feito aquilo que o costume mandava; costume a que frequentemente se dá o nome de ética.

Um outro velhinho querido, 92 anos, cego, surdo, todos os esfíncteres sem controle, numa cama -de repente um acontecimento feliz! O coração parou. Ah, com certeza fora o seu anjo da guarda, que assim punha um fim à sua miséria! Mas o médico, movido pelos automatismos costumeiros, apressou-se a cumprir seu dever: debruçou-se sobre o velhinho e o fez respirar de novo. Sofreu inutilmente por mais dois dias antes de tocar de novo o acorde final.

Dir-me-ão que é dever dos médicos fazer todo o possível para que a vida continue. Eu também, da minha forma, luto pela vida. A literatura tem o poder de ressuscitar os mortos. Aprendi com Albert Schweitzer que a "reverência pela vida" é o supremo princípio ético do amor. Mas o que é vida? Mais precisamente, o que é a vida de um ser humano? O que e quem a define? O coração que continua a bater num corpo aparentemente morto? Ou serão os ziguezagues nos vídeos dos monitores, que indicam a presença de ondas cerebrais?

Confesso que, na minha experiência de ser humano, nunca me encontrei com a vida sob a forma de batidas de coração ou ondas cerebrais. A vida humana não se define biologicamente. Permanecemos humanos enquanto existe em nós a esperança da beleza e da alegria. Morta a possibilidade de sentir alegria ou gozar a beleza, o corpo se transforma numa casca de cigarra vazia.

Muitos dos chamados "recursos heroicos" para manter vivo um paciente são, do meu ponto de vista, uma violência ao princípio da "reverência pela vida". Porque, se os médicos dessem ouvidos ao pedido que a vida está fazendo, eles a ouviriam dizer: "Liberta-me".

Comovi-me com o drama do jovem francês Vincent Humbert, de 22 anos, há três anos cego, surdo, mudo, tetraplégico, vítima de um acidente automobilístico. Comunicava-se por meio do único dedo que podia movimentar. E foi assim que escreveu um livro em que dizia: "Morri em 24 de setembro de 2000. Desde aquele dia, eu não vivo. Fazem-me viver. Para quem, para que, eu não sei...". Implorava que lhe dessem o direito de morrer. Como as autoridades, movidas pelo costume e pelas leis, se recusassem, sua mãe realizou seu desejo. A morte o libertou do sofrimento.

Dizem as escrituras sagradas: "Para tudo há o seu tempo. Há tempo para nascer e tempo para morrer". A morte e a vida não são contrárias. São irmãs. A "reverência pela vida" exige que sejamos sábios para permitir que a morte chegue quando a vida deseja ir. Cheguei a sugerir uma nova especialidade médica, simétrica à obstetrícia: a "morienterapia", o cuidado com os que estão morrendo. A missão da morienterapia seria cuidar da vida que se prepara para partir. Cuidar para que ela seja mansa, sem dores e cercada de amigos, longe de UTIs. Já encontrei a padroeira para essa nova especialidade: a "Pietà" de Michelangelo, com o Cristo morto nos seus braços. Nos braços daquela mãe o morrer deixa de causar medo.

 

 

    QUANDO O CÉREBRO NÃO SE DESENVOLVE

 

 Publicado em Especiais por Redação em 14 de junho de 2012 |

Marina Vieira Souza e Paulo Fávari

No último dia 12 de abril o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o aborto de anencéfalos, embriões ou fetos que não têm crânio ou cérebro, não constitui crime. Com a decisão, grávidas nestes casos não precisam mais de alvará judicial para realizar o aborto, apenas da comprovação de anencefalia, possível por meio de ultrassom.

Thomaz Gollop, livre-docente em Genética pela Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), coordenador do grupo de estudos sobre o aborto da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e membro do Instituto de Medicina Fetal (IMF), aprova:

“Evidentemente, é uma decisão de enorme importância. É o que a gente esperava: ter uma decisão favorável, respeitando a autonomia da mulher”.

Kim Chong Ae, geneticista da FMUSP, completa:

“Não tem sentido não ter a opção de escolha. O feto não tem cérebro, não tem o que fazer”.

Já no primeiro mês de gravidez, por uma falha de desenvolvimento que leva ao fechamento do tubo neural, o feto cresce sem a caixa craniana e sem o cérebro. Kim explica que o motivo da falha depende de muitos fatores. “A anencefalia  pode vir junto com outras malformações. Ela tem um fator genético, mas que pode ser influenciado pelo fator ambiental. A causa ainda não está bem esclarecida”.

 


Riscos para a mãe

A gravidez de anencéfalos é diferente de uma normal não apenas em função da malformação do feto, mas traz também maiores riscos para a saúde da gestante. Entre as complicações decorrentes estão lesões na mulher durante o parto e hemorragia pós-parto, excesso de líquido, aumento da pressão arterial na mãe e erro de posição no feto, enumera Gollop.

A expectativa de vida do feto, por outro lado, também é muito limitada. “São dias e eventualmente, mais raramente, semanas. Isso levando em consideração que mais da metade morre dentro do ventre materno”. É uma falha no desenvolvimento que inevitavelmente leva à morte.

Entre os mitos que envolvem o assunto está o de que esses fetos têm algum tipo de reação a estímulos ou sentimentos. Gollop rechaça a tese “isso é absolutamente impossível, pois qualquer sentimento ou relação humana depende do cérebro”.

Gestando luto

                                                                                                                                                                                      
Ainda assim, a anencefalia não significa que o feto esteja morto – ele vive, mas como um organismo vegetal, sem consciência, até que morre, ou no próprio útero, ou algum tempo depois de nascer. Esse, aponta Maria Júlia Kovács, coordenadora do Laboratório de Estudos sobre a Morte (LEM) do Instituto de Psicologia (IP) da USP, é um dos agravantes para os conflitos éticos que cercam a condição.

“Pode surgir a ideia de ‘será que estou assassinando o feto?", conta.

Para ela, a decisão do STF foi “perfeitamente sábia, e já era necessária há muito tempo”.

Do ponto de vista psicológico, explica, a anencefalia traz uma situação de crise para os envolvidos. Seja o momento da descoberta, a ocorrência de aborto (natural ou induzido) ou a morte do bebê depois de nascido, todas estas ocasiões levam a um processo de luto por parte da família.

Segundo a pesquisadora, o impacto é muito forte e pode fazer com que os pais se questionem: “Por que isso aconteceu conosco? O que fizemos de errado?”. Alguns encaram o caso como um castigo, outros como uma provação necessária.

Há ainda o embate com as crenças religiosas, que tendem a defender a sacralidade da vida, não sob posse do ser humano, mas da figura divina. Para a docente, os fundamentalistas são os mais fechados ao debate que surge quando está em jogo uma vida precária, sem chances de continuar.

Por tantos questionamentos e aflições, Maria Júlia analisa:

“Deveria haver um protocolo de ação psicológica, uma proposta de cuidado para lidar com o aborto. E investimento ainda maior na prevenção”.

 

É o que aponta também a pesquisadora Kim Chong. Segundo ela, a área de genética pode ser usada para diagnosticar e prevenir malformações e falhas no desenvolvimento do bebê. “É importante que todo casal tenha o direito de ter filho. E o sonho de todos é ter um filho perfeito”, declara.

Há um consenso entre todos os profissionais de que o aborto é uma questão que precisa ser mais discutida sob a luz da bioética, e não ignorada por conta de tabus ou dogmas tradicionais. “Espero que a decisão do STF no caso da anencefalia encaminhe a abertura para discussões sobre outras doenças graves, que também não têm cura”, opina Kim, complementada por Maria Júlia: “O aborto é um evento que precisa ser discutido com cuidado, compreendido, e não julgado a priori”.

 
  

                                                                         SEXALESCENTES  

Se estivermos atentos, podemos notar que está aparecendo uma nova franja social: a das pessoas que andam à volta dos sessenta anos de idade, os sexalescentes: é a geração que rejeita a palavra "sexagenário", porque simplesmente não está nos seus planos deixar-se envelhecer.

Trata-se de uma verdadeira novidade demográfica - parecida com a que, em meados do século XX, se deu com a consciência da idade da adolescência, que deu identidade a uma massa de jovens oprimidos em corpos desenvolvidos, que até então não sabiam onde meter-se nem como vestir-se.

Este novo grupo humano, que hoje ronda os sessenta, teve uma vida razoavelmente satisfatória.

São homens e mulheres independentes que trabalham há muitos anos e que conseguiram mudar o significado tétrico que tantos autores deram durante décadas ao conceito de trabalho. Que procuraram e encontraram, há muito, a atividade de que mais gostavam e que com ela ganharam a vida.

Talvez seja por isso que se sentem realizados... Alguns nem sonham em aposentar-se.

E os que já se aposentaram, gozam plenamente cada dia, sem medo do ócio ou da solidão, crescem por dentro, quer num, quer na outra.
Desfrutam a situação, porque, depois de anos de trabalho, criação dos filhos, preocupações, fracassos e sucessos, sabem bem olhar para o mar, sem pensar em mais nada, ou seguir o voo de um pássaro da janela
de um  5.ºandar...

Neste universo de pessoas saudáveis, curiosas e ativas, a mulher tem um papel destacado. Traz décadas de experiência de fazer a sua vontade, quando as suas mães só podiam obedecer, e de ocupar lugares na sociedade que as suas mães nem tinham sonhado ocupar.

Esta mulher sexalescente sobreviveu à bebedeira de poder que lhe deu o feminismo dos anos 60. Naqueles momentos da sua juventude, em que eram tantas as mudanças, parou e refletiu sobre o que, na realidade,
queria.

Algumas optaram por viver sozinhas, outras fizeram carreiras que sempre tinham sido exclusivamente para homens, outras escolheram ter  filhos, outras não, foram jornalistas, atletas, juízas, médicas, diplomatas... Mas cada uma fez o que quis: reconheçamos que não foi fácil, e, no entanto, continuam a fazê-lo todos os dias.

Algumas coisas podem dar-se por adquiridas.

Por exemplo, não são pessoas que estejam paradas no tempo: a geração dos "sessenta", homens e mulheres, lida com o computador como se o tivesse feito toda a vida. Escrevem aos filhos que estão longe (e
vêem-se), e até se esquecem do velho telefone para contactar os amigos, mandam e-mails com suas notícias, ideias e vivências.

De uma maneira geral, estão satisfeitos com o seu estado civil e, quando não estão, não se conformam e procuram mudá-lo. Raramente se desfazem em prantos sentimentais.

Ao contrário dos jovens, os sexalescentes conhecem e pesam todos os riscos.
Ninguém se põe a chorar quando perde: apenas reflete, toma nota, e parte para outra ...

Os maiores partilham a devoção pela juventude e as suas formas superlativas, quase insolentes de beleza; mas não se sentem em retirada.
Competem de outra forma, cultivam o seu próprio estilo ... Os homens não invejam a aparência das jovens estrelas do desporto, ou dos que ostentam um Armani, nem as mulheres sonham em ter as formas perfeitas  de um modelo. Em vez disso, conhecem a importância de um olhar cúmplice, de uma frase inteligente ou de um sorriso iluminado pela experiência.

Hoje, as pessoas na década dos sessenta estão em uma idade que não tem nome. Antes seriam velhos, e agora já não o são. Hoje têm boa saúde,física e mental, recordam a juventude, mas sem nostalgias,
porque a juventude ela própria também está cheia de nostalgias e de problemas.

Celebram o sol em cada manhã e sorriem para si próprios...

Talvez por alguma secreta razão, que só sabem e saberão os que chegam aos 60 no século XXI ...

(Autor desconhecido.)




CAÍ NO MUNDO E NÃO SEI COMO VOLTAR

Eduardo Galeano

Jornalista e escritor uruguaio

 

Isto é demais:  bem escrito, bem lembrado, na dose certa do humor, na emoção, enfim, tudo deu certo neste texto. Ele é um dos maiores escritores do mundo. Leiam, divirtam-se, reflitam nas verdades. 

O que acontece comigo é que não consigo andar pelo mundo pegando coisas e trocando-as pelo modelo seguinte só por que alguém adicionou uma nova função ou a diminuiu um pouco…

Não faz muito, com minha mulher, lavávamos as fraldas dos filhos, pendurávamos na corda junto com outras roupinhas, passávamos, dobrávamos e as preparávamos para que voltassem a serem sujadas. 

E eles, nossos nenês, apenas cresceram e tiveram seus próprios filhos se encarregaram de atirar tudo fora, incluindo as fraldas. Se entregaram, inescrupulosamente, às descartáveis!

Sim, já sei. À nossa geração sempre foi difícil jogar fora. Nem os defeituosos conseguíamos descartar! E, assim, andamos pelas ruas, guardando o muco no lenço de tecido, de bolso.

Nããão! Eu não digo que isto era melhor. O que digo é que, em algum momento, me distraí, caí do mundo e, agora, não sei por onde se volta. 

O mais provável é que o de agora esteja bem, isto não discuto. O que acontece é que não consigo trocar os instrumentos musicais uma vez por ano, o celular a cada três meses ou o monitor do computador por todas as novidades.

Guardo os copos descartáveis! Lavo as luvas de látex que eram para usar uma só vez.

Os talheres de plástico convivem com os de aço inoxidável na gaveta dos talheres! É que venho de um tempo em que as coisas eram compradas para toda a vida!

É mais! Se compravam para a vida dos que vinham depois! A gente herdava relógios de parede, jogos de copas, vasilhas e até bacias de louça.

E acontece que em nosso, nem tão longo matrimônio, tivemos mais cozinhas do que as que haviam em todo o bairro em minha infância, e trocamos de refrigerador três vezes. 

Nos estão incomodando! Eu descobri! Fazem de propósito! Tudo se lasca, se gasta, se oxida, se quebra ou se consome em pouco tempo para que possamos trocar.

Nada se arruma. O obsoleto é de fábrica.

Aonde estão os sapateiros fazendo meia-solas dos tênis Nike? Alguém viu algum colchoeiro encordoando colchões, casa por casa? Quem arruma as facas elétricas? o afiador ou o eletricista? Haverá teflon para os funileiros ou assentos de aviões para os talabarteiros?

Tudo se joga fora, tudo se descarta e, entretanto, produzimos mais e mais e mais lixo. Outro dia, li que se produziu mais lixo nos últimos 40 anos que em toda a história da humanidade.

Quem tem menos de 30 anos não vai acreditar: quando eu era pequeno, pela minha casa não passava o caminhão que recolhe o lixo! Eu juro! E tenho menos de ... anos! Todos os descartáveis eram orgânicos e iam parar no galinheiro, aos patos ou aos coelhos (e não estou falando do século XVII). Não existia o plástico, nem o nylon. A borracha só víamos nas rodas dos autos e, as que não estavam rodando, as queimávamos na Festa de São João. Os poucos descartáveis que não eram comidos pelos animais, serviam de adubo ou se queimava..

Desse tempo venho eu.  E não que tenha sido melhor.... É que não é fácil para uma pobre pessoa, que educaram com "guarde e guarde que alguma vez pode servir para alguma coisa", mudar para o "compre e jogue fora que já vem um novo modelo".

Troca-se de carro a cada 3 anos, no máximo, por que, caso contrário, és um pobretão. Ainda que o carro que tenhas esteja em bom estado... E precisamos viver endividados, eternamente, para pagar o novo!!! Mas... por amor de Deus!

Minha cabeça não resiste tanto. Agora, meus parentes e os filhos de meus amigos não só trocam de celular uma vez por semana, como, além disto, trocam o número, o endereço eletrônico e, até, o endereço real.

E a mim que me prepararam para viver com o mesmo número, a mesma mulher e o mesmo nome (e vá que era um nome para trocar). Me educaram para guardar tudo. Tuuuudo! O que servia e o que não servia. Por que, algum dia, as coisas poderiam voltar a servir. 

Acreditávamos em tudo. Sim, já sei, tivemos um grande problema: nunca nos explicaram que coisas poderiam servir e que coisas não. E no afã de guardar (por que éramos de acreditar), guardávamos até o umbigo de nosso primeiro filho, o dente do segundo, os cadernos do jardim de infância e não sei como não guardamos o primeiro cocô.

Como querem que entenda a essa gente que se descarta de seu celular a poucos meses de o comprar? Será que quando as coisas são conseguidas tão facilmente, não se valorizam e se tornam descartáveis com a mesma facilidade com que foram conseguidas?

Em casa tínhamos um móvel com quatro gavetas. A primeira gaveta era para as toalhas de mesa e os panos de prato, a segunda para os talheres e a terceira e a quarta para tudo o que não fosse toalha ou talheres. E guardávamos...

Como guardávamos!! Tuuuudo!!! Guardávamos as tampinhas dos refrescos!! Como, para quê?  Fazíamos limpadores de calçadas, para colocar diante da porta para tirar o barro. Dobradas e enganchadas numa corda, se tornavam cortinas para os bares. Ao fim das aulas, lhes tirávamos a cortiça, as martelávamos e as pregávamos em uma tabuinha para fazer instrumentos para a festa de fim de ano da escola.

Tuuudo guardávamos! Enquanto o mundo espremia o cérebro para inventar acendedores descartáveis ao término de seu tempo, inventávamos a recarga para acendedores descartáveis. E as Gillette até partidas ao meio se transformavam em apontadores por todo o tempo escolar. E nossas gavetas guardavam as chavezinhas das latas de sardinhas ou de corned-beef, na possibilidade de que alguma lata viesse sem sua chave.

E as pilhas! As pilhas das primeiras Spica passavam do congelador ao telhado da casa. Por que não sabíamos bem se se devia dar calor ou frio para que durassem um pouco mais. Não nos resignávamos que terminasse sua vida útil, não podíamos acreditar que algo vivesse menos que um jasmim. As coisas não eram descartáveis. Eram guardáveis.

Os jornais!!! Serviam para tudo: para servir de forro para as botas de borracha, para por no piso nos dias de chuva e por sobre todas as coisa para enrolar.

Às vezes sabíamos alguma notícia lendo o jornal tirado de um pedaço de carne!!! E guardávamos o papel de alumínio dos chocolates e dos cigarros para fazer guias de enfeites de natal, e as páginas dos almanaques para fazer quadros, e os conta-gotas dos remédios para algum medicamento que não o trouxesse, e os fósforos usados por que podíamos acender uma boca de fogão (Volcán era a marca de um fogão que funcionava com gás de querosene) desde outra que estivesse acesa, e as caixas de sapatos se transformavam nos primeiros álbuns de fotos e os baralhos se reutilizavam, mesmo que faltasse alguma carta, com a inscrição a mão em um valete de espada que dizia "esta é um 4 de bastos".

As gavetas guardavam pedaços esquerdos de prendedores de roupa e o ganchinho de metal. Ao tempo esperavam somente pedaços direitos que esperavam a sua outra metade, para voltar outra vez a ser um prendedor completo.

Eu sei o que nos acontecia: nos custava muito declarar a morte de nossos objetos. Assim como hoje as novas gerações decidem matá-los tão-logo aparentem deixar de ser úteis, aqueles tempos eram de não se declarar nada morto: nem a Walt Disney!!!

E quando nos venderam sorvetes em copinhos, cuja tampa se convertia em base, e nos disseram: Comam o sorvete e depois joguem o copinho fora, nós dizíamos que sim, mas, imagina que a tirávamos fora!!! As colocávamos a viver na estante dos copos e das taças. As latas de ervilhas e de pêssegos se transformavam em vasos e até telefones. As primeiras garrafas de plástico se transformaram em enfeites de duvidosa beleza. As caixas de ovos se converteram em depósitos de aquarelas, as tampas de garrafões em cinzeiros, as primeiras latas de cerveja em porta-lápis e as cortiças esperaram encontrar-se com uma garrafa. 

E me mordo para não fazer um paralelo entre os valores que se descartam e os que preservávamos. Ah!!! Não vou fazer!!!

Morro por dizer que hoje não só os eletrodomésticos são descartáveis; também o matrimônio e até a amizade são descartáveis. Mas não cometerei a imprudência de comparar objetos com pessoas.

Me mordo para não falar da identidade que se vai perdendo, da memória coletiva que se vai descartando, do passado efêmero. Não vou fazer.

Não vou misturar os temas, não vou dizer que ao eterno tornaram caduco e ao caduco fizeram eterno.

Não vou dizer que aos velhos se declara a morte apenas começam a falhar em suas funções, que aos cônjuges se trocam por modelos mais novos, que as pessoas a que lhes falta alguma função se discrimina o que se valoriza aos mais bonitos, com brilhos, com brilhantina no cabelo e glamour. 

Esta só é uma crônica que fala de fraldas e de celulares. Do contrário, se misturariam as coisas, teria que pensar seriamente em entregar à bruxa, como parte do pagamento de uma senhora com menos quilômetros e alguma função nova. Mas, como sou lento para transitar este mundo da reposição e corro o risco de que a bruxa me ganhe a mão e seja eu o entregue... 


 

SORVETE, DUAS BOLAS, POR FAVOR

Danuza Leão

 

Não há nada que me deixe mais frustrada do que pedir sorvete de sobremesa, contar os minutos até ele chegar e aí ver o garçom colocar na minha frente  uma bolinha minúscula do meu sorvete preferido.

Uma só.

Quanto mais sofisticado o restaurante, menor a porção da sobremesa.

Aí a vontade que dá é de passar numa loja de conveniência, comprar um litro de sorvete bem cremoso e saborear em casa com direito a repetir quantas vezes a gente quiser, sem pensar em calorias, boas maneiras ou moderação.

O sorvete é só um exemplo do que tem sido nosso cotidiano.

A vida anda cheia de meias porções, de prazeres meia-boca, de aventuras pela metade.

A gente sai para jantar, mas come pouco.

Vai à festa de casamento, mas resiste aos bombons.

Conquista a chamada liberdade sexual, mas tem que fingir que é difícil (a imensa maioria das mulheres continua  com pavor de ser rotulada de  ("fácil" ).

Adora tomar um banho demorado, mas se contém pra não desperdiçar os  recursos do planeta.

Quer beijar aquele cara 20 anos mais novo, mas tem medo de fazer papel  ridícula.

Tem vontade de ficar em casa vendo um DVD, esparramada no sofá, mas se 

obriga a ir malhar.

E por aí vai.

Tantos deveres, tanta preocupação em "acertar", tanto empenho em passar na vida sem pegar recuperação…

Aí a vida vai ficando sem tempero, politicamente correta e existencialmente sem-graça, enquanto a gente vai ficando melancolicamente sem tesão…

Às vezes dá vontade de fazer tudo "errado".

Deixar de lado a régua, o compasso, a bússola, a balança e os 10 mandamentos.

Ser ridícula, inadequada, incoerente e não estar nem aí pro que dizem e o que pensam a nosso respeito.

Recusar prazeres incompletos e meias porções.

Até Santo Agostinho, que foi santo, uma vez se rebelou e disse uma frase mais ou menos assim :

"Deus, dai-me continência e castidade, mas não agora......."

Nós, que não aspiramos à santidade e estamos aqui de passagem, podemos  (devemos?)desejar várias bolas de sorvete, bombons de muitos sabores, vários  beijos bem dados, a água batendo sem pressa no corpo, o coração saciado.

Um dia a gente cria juízo.

Um dia.

Não tem que ser agora.

Por isso, garçom, por favor, me traga:  Cinco bolas de sorvete de chocolate, um sofá pra eu ver 10 episódios  do "Law and Order", uma caixa de trufas bem macias e o Richard Gere, nú, embrulhado pra  presente. OK?

Não necessariamente nessa ordem.

Depois a gente vê como é que faz pra consertar o estrago. . .

     


                                                                              2011


                                   FÉ EM VIDA PÓS MORTE PODE AJUDAR A SUPERAR A TRAGÉDIA

 

 As pessoas que têm profunda religiosidade se dão melhor em situações críticas. A afirmação é da psicóloga clínica e professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Denise Gimenez Ramos. Esperança e otimismo estão ligados diretamente a acreditar num reencontro pós-morte ou mesmo em uma recompensa em outro plano. Os que creem em algo dirigem suas vidas com mais tranqüilidade e bem-estar, de acordo com a psicóloga.

 

Segundo Denise, quando o ser humano vivencia uma experiência mais grave, precisa buscar algum significado. E quem consegue encontrá-lo vive melhor. “A religiosidade dá muito apoio em situações difíceis, mas não está presente em nossas vidas para nos tornar seres passivos, que não lutam para mudar os cenários desfavoráveis”, ensina.

 

 

Viver o luto ajuda na recuperação

 

 

 É preciso esclarecer que o fato de acreditar que a separação entre quem morreu e os que vivem é momentânea não deve impedir a pessoa de viver o luto. A psicóloga clínica Daniela Mafra de Oliveira explica que essa vivência consiste, entre outras coisas, em chorar e ter momentos de revolta, desespero e questionamentos. “Ser religioso ou ter uma crença não vai fazer o sofrimento sumir. O que acontece é que a dor poderá ser abreviada e a pessoa se sentir confortada diante das explicações que encontra nos ensinamentos da sua religião.”

 

Daniela explica que esse período de luto é extremamente necessário. Sofrer faz parte de um processo de cura. “Quem se permite sentir a dor da perda ou da fatalidade tende a conseguir retomar sua vida. Aqueles que se recusam a fazê-lo, ou se enchem de atividades para não ter tempo de pensar no que aconteceu, podem ter que lidar com isso, de maneira mais intensa, no futuro. É o famoso ‘cair a ficha’.”

 

Existem pessoas que atribuem tudo que acontece a um ser supremo. Essa postura demonstra uma falta de discernimento. Daniela insiste na necessidade de fazer todos entenderem que todos precisam agir e ter iniciativa diante dos acontecimentos. “A pessoa que dá a Deus ou a outro ser supremo a função de realizar tarefas que deveriam ser suas, colocam-se numa posição de extrema acomodação diante da vida.”

Veja mais em:

 

 http://delas.ig.com.br/comportamento/fe+em+vida+apos+a+morte+pode+ajudar+a+superar+tragedia/n1596935244946.html





                                                              O CORPO FALA

Fonte:
http://www.agencia.fapesp.br/materia/13747/o-corpo-fala.htm
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Manipulação de corpos em rituais funerários era praticada em outras regiões da América do Sul além dos Andes, revela pesquisa


Por Elton Alisson

 


Agência FAPESP – A manipulação de corpos em rituais funerários, utilizando ossos como símbolos para expressar crenças sobre a morte, não se restringia apenas aos povos que habitavam a região dos Andes há 10 mil anos, durante o Holoceno inicial. A prática também era realizada nesse mesmo período por povos localizados nas chamadas “terras baixas” do continente, incluindo o Brasil, revelam pesquisas realizadas pelo arqueólogo André Menezes Strauss, que cursa doutorado no Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, em Leipzig, na Alemanha.

 

As descobertas dos estudos foram apresentadas em congresso da Associação Norte-Americana de Antropologia Física, realizado de 12 a 16 de abril em Minneapolis, nos Estados Unidos.

 

Durante sua pesquisa de mestrado, realizado no Instituto de Biociências (IB) da Universidade de São Paulo (USP), com Bolsa da FAPESP, Strauss participou da exumação de 26 esqueletos humanos sepultados no sítio arqueológico Lapa do Santo, em Minas Gerais, que foi escavado nos últimos dez anos no âmbito do Projeto Temático "Origens e microevolução do homem na América: uma abordagem paleoantropológica", financiado pela FAPESP, e  coordenado pelo professor do IB, Walter Neves.

 

Ao analisar os esqueletos humanos, datados de 8.500 anos, Strauss percebeu que os ossos apresentavam marcas de corte por instrumentos de pedra, tinham sido expostos ao fogo ou receberam aplicação de ocre (tinta marrom). Além disso, alguns esqueletos tinham membros amputados e foram sepultados de forma desarticulada, juntando os ossos de vários indivíduos, por exemplo.

 

Intrigado com a descoberta, Strauss e Pedro José Tótora da Glória, doutorando em antropologia física na The Ohio State University, revisitaram as coleções de ossos que foram escavados desde o início do século 19 em outros sítios arqueológicos na região de Lagoa Santa, onde está situada a gruta de Lapa do Santo. Os pesquisadores constataram que os ossos compartilhavam as mesmas características dos encontrados em Lapa do Santo.

 

“Identificamos um certo grau de sofisticação nos ritos mortuários desses grupos, que eram bastante diversificados, tinham características muito peculiares e uma forte ênfase na manipulação do corpo”, disse Strauss à Agência FAPESP.

 

Além de ter os ossos cortados e marcados, os esqueletos também foram organizados e dispostos nas sepulturas de acordo com regras muito específicas. O crânio de um adulto, por exemplo, era enterrado com o restante do esqueleto de uma criança, enquanto crânios infantis eram sepultados com os ossos de pessoas maduras.

 

Em outros casos, os dentes de um indivíduo eram removidos para adornar os restos mortais de outro. “Eles expressavam através da materialidade do osso princípios dicotômicos que deviam fazer parte da cosmologia deles”, analisou Strauss.

 

De acordo com o pesquisador, não se esperava que as práticas mortuárias dos primeiros habitantes da América do Sul fossem tão elaboradas, como revelaram as pesquisas.

 

Isso porque na antropologia havia uma ideia de que, pelo caráter nômade dos caçadores-coletores pré-históricos, eles não despenderiam tempo e energia para enterrar mortos. Mas a descoberta das múmias Chinchorros no Chile, no início da década de 1970 e, agora, dos achados em Lapa do Santo estão colaborando para demover essa ideia.

 

“Assim como os grupos em Lagoa do Santo, os Chinchorros também eram caçadores-coletores. Ninguém esperava que grupos vivendo há mais de 8 mil anos na costa andina mumificassem seus mortos e que os grupos em Lagoa Santa teriam rituais funerários elaborados”, disse Strauss.

 

Com base nessas descobertas, segundo o cientista, será possível estabelecer um novo quadro regional para as práticas mortuárias na América do Sul durante o Holoceno inicial, caracterizado não pela simplicidade dos enterros, como se imaginava, mas pela sofisticação dos ritos funerários, como foi comprovado pela manipulação do corpo pelos grupos que habitaram Lagoa do Santo.

 

“Agora não dá mais para dizer que durante o Holoceno inicial as práticas de manipulação do corpo estavam limitadas aos Andes, mas sim que estavam dispersas por boa parte da América do Sul, incluindo as terras baixas”, afirmou.

 

Peter Lund

 

No Instituto Max Planck, Strauss estuda evolução humana e, paralelamente à sua pesquisa de doutorado, continua investigando as práticas mortuárias sul-americanas.

 

Na Europa, o cientista pretende visitar as coleções escavadas pelo naturalista dinamarquês Peter Lund (1801-1880) em Lagoa Santa para tentar encontrar evidências de que elas apresentam as mesmas características dos ossos escavados recentemente no sítio arqueológico mineiro e que passaram despercebidos pelos arqueólogos que já haviam passado por Lapa do Santo. As coleções de Lund estão no Museu de História Natural da Dinamarca.

 

“Demos muita sorte porque a região de Lagoa Santa tem centenas de cavernas que foram escavadas por equipes de arqueólogos. Lapa do Santo era um sítio arqueológico virgem”, disse Strauss.

 

Os arqueólogos que escavaram a região mineira anteriormente podem não ter atentado ao fato de que os ossos apresentavam marcas por terem outros objetivos de pesquisa, como a coexistência do homem com a megafauna e morfologia craniana. Além disso, não era possível identificar essas características nos esqueletos com os métodos disponíveis na época.

 

“Levamos mais de duas semanas para exumar cada sepultamento humano e escavamos apenas cerca de 15% do sítio de Lapa do Santo. A ideia é deixar material disponível para ser escavado no futuro, com novas técnicas”, disse Strauss.


        CINCO PONTOS PARA ABORDAR A MORTE EM SALA DE AULA

Fonte: Revista Escola - Edição 233 - Junho/Julho 2010 | Título original: A morte, sem rodeios
http://revistaescola.abril.com.br/formacao/formacao-continuada/cinco-pontos-abordar-morte-sala-aula-567951.shtml

 

 Acolher as inquietações de cada um e responder às dúvidas com explicações verdadeiras é um caminho para auxiliar a superar uma perda

 

 

TERMINA A VIDA. O QUE VEM DEPOIS?

 

Quem enfrenta a tristeza de uma morte vivencia o luto até a perda ser aceita. Para auxiliar a enfrentar essa fase, é preciso falar com sinceridade. Respostas fantasiosas tendem a prolongar o sofrimento.

 

 

 

Criança também fica de luto

"É uma coisa curiosa a morte (...). Todos nós sabemos que o nosso tempo neste mundo é limitado e que eventualmente todos nós acabaremos embaixo de algum lençol para nunca mais despertar. E, no entanto, é sempre uma surpresa quando isso acontece com alguém que conhecemos." Reflita por alguns instantes sobre como você se sentiu ao ler essa citação do autor infanto-juvenil Lemony Snicket, no livro Raiz-Forte.

 

Quais sentimentos prevaleceram: medo? Resignação? Indignação? Identificação?

 

A resposta depende da maneira como cada um lidou e lida com as inevitáveis perdas que a vida nos traz - a de um amigo que se mudou para longe, o desaparecimento de um animal de estimação ou a morte de um parente querido. Sempre que um desses eventos ocorre, passamos pela chamada elaboração do luto - um processo psicológico que atinge o indivíduo, sua família e os grupos da sociedade dos quais ele participa, um período doloroso (e necessário) de intensa tristeza, que dura até que a pessoa aceite a perda e possa seguir em frente com a vida.

 

Embora as crianças, sobretudo as mais novas, ainda não compreendam inteiramente a idéia de morte, o assunto deve ser discutido na escola para que elas tenham a oportunidade de trocar opiniões com os colegas e também encontrar apoio para encarar o sofrimento. A origem da crise, em geral, se dá com a morte de um familiar ou de uma pessoa próxima, mas também pode ocorrer em casos como a separação dos pais, a morte de uma personalidade famosa e até de uma mudança brusca, como a troca de cidade ou de escola. Todas essas situações geram dificuldades para as crianças.

 

 

Como o comportamento das pessoas ao redor interfere no enfrentamento das perdas, uma intervenção adequada no momento certo é de grande importância, podendo ajudar no encaminhamento do luto e no restabelecimento das condições emocionais dos pequenos.

 

Para os estudiosos do tema, o principal requisito para uma atuação eficaz é se apoiar na verdade. Afinal, uma informação distorcida pode interferir na conscientização da perda e na sua aceitação. "A morte faz parte do processo da vida. Contar uma mentira, dizer que a pessoa foi viajar, que virou estrela ou qualquer outra resposta evasiva só irá prolongar o sofrimento. Quando se deparar com a verdade, a criança se sentirá enganada e a relação de confiança será quebrada", explica Valéria Tinoco, supervisora do Instituto de Psicologia 4 Estações, em São Paulo.

 

 

VAI-SE O LUTO, FICAM AS LEMBRANÇAS

 

Passado o período de intensa tristeza, a criança não esquece o que ocorreu. A perda continua sendo uma lembrança muitas vezes dolorosa, mas já não a impede de tocar a vida em frente.Isso, entretanto, não significa que a discussão do tema na escola seja simples. Para ajudar a lidar com a situação, é preciso levar em conta diversos fatores, que dizem respeito principalmente à fase de desenvolvimento em que cada criança se encontra e ao ambiente que a cerca. Abaixo, você confere cinco pontos essenciais que devem ser considerados na hora de abordar a morte com suas turmas.

 

1. Respeitar as escolhas da família e da criança

"Mamãe foi morar com papai do céu", "Totó foi para o paraíso dos cachorrinhos", "Vovô está vivo em uma outra dimensão". É normal que as crianças apresentem explicações para a morte baseadas na religiosidade, nas crenças e e na cultura da família. Você, professor, deve aceitar a argumentação, mas, se for indagado sobre o ocorrido, seu papel é responder da maneira mais objetiva - não custa lembrar que a idéia é ajudar o pequeno a se conscientizar da perda.  "Por mais que seja difícil, é preciso mostrar a morte como algo inevitável", observa Maria Júlia Kovács, professora de Psicologia da Morte  e coordenadora do Laboratório de Estudos sobre a Morte do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP).

 

Essa postura deve ser explicitada nas conversas com os pais - nesses encontros, aliás, é preciso considerar que os próprios familiares, fragilizados, apresentem dificuldade em lidar com a questão. "Como a criança passa grande parte do dia no ambiente escolar, é importante que ali ela encontre respostas que talvez não apareçam num primeiro momento em casa, por estarem todos abalados", comenta Valéria. A escola deve se aproximar, oferecer ajuda e, se preciso, buscar o auxílio de profissionais de Psicologia. Entender os sentimentos para agir

 

Para os professores do Colégio João Paulo I, na capital paulista, a relação direta da escola com a família foi essencial para que Rafael* superasse a morte da mãe, há três anos. Na época, ele estava no 2º ano e, com o passar dos dias, foi compreendendo o que ocorreu e como isso estava afetando sua vida. "Hoje ele comenta o assunto com facilidade. Não quer dizer que não sofra, mas, como não omitimos nada, a atenção dele não ficou na obtenção de respostas, e sim em se conscientizar da perda e aceitá-la", conta a coordenadora pedagógica Aura Maria Lousada. Ainda assim, cada Dia das Mães gerava dúvidas nos professores sobre como agir. A solução encontrada por eles é sempre conversar com o garoto sobre seus sentimentos, principalmente em relação às atividades especiais que são desenvolvidas nas aulas.

 

 

Para a surpresa da equipe, no último ano, o garoto decidiu fazer uma lembrancinha e levá-la ao cemitério. "Entendemos que, para ele, aquele ato era uma forma de homenagear a mãe falecida. O que fizemos foi acolher a ideia e ajudá-lo a realizá-la", conta Aura.

 

 

2. Considerar a faixa etária de cada aluno

Desde pequena, a criança já entende a idéia da morte - o que muda ao longo dos anos é a concepção dela sobre a perda. Até os 5 anos, a criança considera a morte reversível. Depois, começa a entender a finitude, mas ainda não a concebe como universal - acha que ela não pode vir para alguém jovem, por exemplo. "É somente por volta dos 10 anos que passamos a compreender a morte com mais clareza", explica Maria Júlia. Nesse sentido, a participação em rituais como velórios e enterros, ainda que dolorosa, é importante para auxiliar na complexa construção do que significa a morte (leia o quadro abaixo). Mostrar a dimensão cultural da morte

 

A perda de um bichinho de estimação também é uma maneira de educar uma criança para a morte e o luto. "Emocionalmente, o impacto é menor do que perder a mãe, por exemplo, mas pode ser maior do que a morte de um parente distante.O luto da criança pela perda de um animal deve ser respeitado da mesma maneira", observa Valéria.

 

 

No início do ano, os educadores da Creche Central da USP, na capital paulista, se viram diante de uma situação como essa e precisaram alterar a programação das atividades para se voltar a um fato que mobilizou todas as crianças: um jabuti que vivia no local morreu e com isso surgiram perguntas e inquietações por todos os lados. Depois de esclarecer os fatos, a escolha foi elaborar um trabalho para que a morte fosse aceita e compreendida. "Fizemos uma assembléia com todos para decidir o destino do corpo. Por fim, com o consentimento de todos, realizamos uma cerimônia simbólica, seguida do enterro", conta o coordenador Rodrigo Flauzino. Para ele, o importante era que os pequenos não só lidassem com a morte mas também participassem do ritual para compreender sua dimensão cultural.

 

 

3. Buscar um interlocutor próximo ao estudante

É importante que, quando a escola fica incumbida de contar sobre uma morte ou conversar sobre ela com o aluno, o diálogo seja estabelecido com alguém em quem confie e que dê a ele abertura para falar, questionar e até pedir apoio emocional. "Imagine que sensação horrível ele teria ao receber uma notícia ruim de um desconhecido ou de alguém com que teve pouco contato", diz Valéria.

 

 

4. Trabalhar a questão com a classe

A relação com a turma nesse momento é importante para ajudar no acolhimento do estudante. "Quando um aluno vive a perda significativa de alguém, é comum que os colegas se abatam também, pois acabam se identificando. Compreender o que está se passando com a classe e com a criança enlutada é necessário para auxiliar o professor a lidar com a dinâmica da sala", afirma Solange Capaverde, coordenadora do Projeto Solverde, da Universidade Federal de Santa Maria (UFS). Um dos caminhos é proporcionar debates sobre o tema. Vale orientar a classe e explicar o que o colega está vivendo e, quando ele retornar à escola, proporcionar situações em que possa falar e também ouvir opiniões e histórias dos outros alunos. Filmes e contos podem ser usados como porta de entrada para explorar a morte e o luto. Porém, antes de propor qualquer atividade, é importante saber se a criança enlutada está disposta a se abrir e a falar sobre isso.

 

 

5. Minimizar os efeitos do luto no aprendizado

Na medida do possível, é importante atentar para que o desempenho escolar do aluno não seja muito prejudicado pelo pesar.

 

 

"O educador precisa saber que, logo após a morte, a criança pode não produzir como antes. Nos dias que seguem, é importante conversar para encontrar a melhor maneira de ele não perder o conteúdo", afirma Maria Júlia. Vale explicar quais atividades vão ser feitas e ouvir a opinião do aluno para saber se ele tem condições de desempenhá-las. O correto é sempre oferecer uma alternativa - o que não pode ocorrer é deixá-lo de lado.

 

 

"É comum que crianças reajam de maneiras diversas. O choro não é o único modo de manifestar o sentimento de perda. Às vezes, elas têm sonolência, dificuldade de concentração e desinteresse, entre outros comportamentos. Todos são maneiras de mostrar que a situação não é fácil", explica Valéria.

 

 

Pode ser que demore algum tempo, mas o fato é que o luto, quando bem elaborado, passa.

 

 

Ao perceber-se acolhida, a criança amadurece com mais facilidade a idéia da perda e, aos poucos, volta à rotina. Claro que podem ocorrer recaídas. Passado certo tempo após a elaboração do luto, é comum que ela relembre a morte e retome alguns sentimentos de tristeza intensa.

 

 

Essa situação pode ser mais ou menos marcante, de acordo com a superação do luto. Em todos os casos, o trabalho em conjunto com a família ajuda a superar a crise com mais facilidade, principalmente quando envolve crianças muito pequenas. Cuidar do rendimento com ajuda da família

 

 

O começo de 2010 foi cheio de mudanças na vida de Lucas*. Era o início de seu primeiro ano na EMEB Graciliano Ramos, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. Ele ganhou mais amigos, uma professora e passou a conhecer um mundo diferente. No meio de todas essas novidades, porém, ele sofreu duas perdas significativas: primeiro, a separação dos pais, que mudou toda a rotina familiar e, logo em seguida, o falecimento do avô, de quem era muito próximo. Quase sem tempo para digerir cada fato separadamente, o menino perdeu o interesse pelas aulas e parou de comer. "A família estava abalada e não sabia como lidar com isso. Para que o jejum não durasse mais tempo, pedimos uma orientação para a psicóloga responsável pela rede de ensino.

 

 

Depois de algumas reuniões com ela e a família, encontramos uma maneira de ajudá-lo", conta a diretora, Filomena Cabral Paes Jasiulone.

 

 

O tempo de permanência na escola passou a ser intercalado com visitas da mãe para que ele se sentisse mais calmo e seguro. A aproximação com a família e a busca de apoio externo foi decisiva para que ele voltasse aos poucos à rotina normal.

  

                                                               E A MORTE ENTROU NA ESCOLA...

Por: Dra. Elaine Gomes dos Reis Alves 
Psicóloga especializada em dor e sofrimento humano, membro do Laboratório de Estudos Sobre a Morte LEM-IPUSP

Chegamos ao primeiro mundo! Mas chegamos pela pior das vias, a via da violência. No dia 07 de abril de 2011, os brasileiros incrédulos e indignados, passaram o dia com a atenção voltada aos noticiários sobre a tragédia na escola de Realengo, no Rio de Janeiro. Cenas até então tidas como realidade de outros países passam a nos pertencer a partir de hoje. Tragédia anunciada! Morte escancarada!

Pesquisas realizadas pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo em já apontavam para essa possibilidade, caso nenhuma providência fosse tomada para a crescente violência dentro de nossas escolas, violência essa também gerada socialmente fora da escola

A escola é lugar em que os pais consideram que seus filhos estão protegidos. É papel da escola proteger nossos filhos! Mas, ela está preparada para protegê-los do acelerado crescimento da violência social?

Maria Júlia Kovács apresenta a morte escancarada como aquela que nos pega de surpresa, é trágica, violenta, envolve a mídia, desestabiliza e a pessoa tem dificuldade em encontrar recursos para o enfrentamento da tragédia. Se a morte é um tema tabu, a morte escancarada é ainda maior, porém, por outro lado, ela é espetáculo. A morte sempre gerou muita curiosidade e especulação e quanto maior a tragédia, mais ela vende.

Em uma sociedade em que a morte é tema interdito, crianças são entrevistadas para contar detalhes da tragédia. Dar voz ao susto, ao medo, à dor é importante para a elaboração do caos psíquico, o problema é que assim que o assunto estiver “desatualizado” para a mídia, essas vozes serão caladas violentamente e cada um dos atores dessa tragédia tornar-se-ão personagens esquecidos, principalmente no que diz respeito às duas dores.

Vale relembrar Walter Benjamin ao considerar que entre as várias formas de violência, há a violência pura, aquela que é manifestação pura da cólera e destruidora de direitos. Trata-se da violência que nada quer, nada exige, destrói bens, o direito e a vida apenas para afirmar a alma do indivíduo, o caráter sagrado de sua dignidade. Vale lembrar então que também Benjamin anunciou a tragédia do Realengo.

Entre todas as reflexões que esse massacre exige, há ainda a grande e real necessidade de se falar de morte na escola, mais um tema interdito que ressoa na morte escancarada.

Quem prepara a criança para enfrentar primeiro as dores das perdas do desenvolvimento humano e depois, mas não menos importante, a dor da perda pela tragédia, pela morte escancarada?

 
                                                                  A PERDA GESTACIONAL
                                     AJUDAR QUEM PERDEU UM FILHO ANTES DO NASCIMENTO   

A nossa sociedade desvaloriza a dor de quem perde um filho antes do seu nascimento. Não consigo entender porquê. Talvez porque precisem ter algo mais palpável, creio eu.

Durante a gestação a pessoa que mais se liga ao bebe, não tenho duvida que é a mãe. No momento em que essa criança começa a crescer dentro de nós é nosso filho e acabou». Para ajudar estas mães surgiu a associação Projecto Artémis, entre outros objetivos, para diminuir a falta de informação técnica e emocional a mulheres que vivenciam o luto da perda de um bebe ao longo da gravidez, bem como quebrar o Pacto de Silêncio resultante de todo esse processo de luto na Perda Gestacional. A nossa convidada é a fundadora e presidente da associação Projecto Artémis. Manuela Pontes sofreu duas perdas entre 1999 e 2000 e, desde então, luta pela dignidade e afetividade nesta dor que ninguém quer ver. A criação de uma linha de apoio telefônico foi uma das últimas iniciativas da associação.

 
Manuela Pontes falou na rádio TSF de Portugal e nos enviou o link da entrevista.

Vale à pena ouvir!

                          

http://www.tsf.pt/Programas/programa.aspx?content_id=1016877&audio_id=1824136


Contato: http://projectoartemis.blogs.sapo.pt/


  
                                       O CEMITÉRIO COLORIDO DE XCARÉT, NO MÉXICO...
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Muitos acharão estranho, bizarro... mas aqueles que visitam o cemitério de Xcarét, especialmente os mais atentos, verificarão que se trata de uma réplica, ou seja: todos os túmulos são cópias exatas de túmulos verdadeiros existentes em diversos cemitérios mexicanos (ninguém está sepultado lá).
Esse cemitério tem a particularidade de ter sido construido na forma de espiral em altura (uma clara alusão à subida dos mortos ao reino dos céus).
É absolutamente extraordinário, pelos pormenores das construções tumulares, assim como o seu esfusiante colorido. Sem dúvida que a "cultura da morte" vivida pelo povo mexicano, está muito para além da simples compreensão de outras culturas mais ocidentalizadas, como a europeia.


FONTE: http://walter-minhasviagens.blogspot.com/2009_07_01_archive.html



                                                                  É PRECISO VIVENCIAR O LUTO


Choro, tristeza e lembranças são formas de "elaboração" da ausência e da falta, mas não devem impedir novas relações, sentimentos, atividades e vontades


É clichê, mas é verdade: não podemos fugir ou evitar a morte e, consequentemente, o luto. Mas será que estamos preparados para lidar com as emoções que as perdas provocam?


A professora Maria Júlia Kovács, coordenadora do Laboratório de Estudos sobre a Morte do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), assinala uma tendência, típica da sociedade contemporânea, que é a de abafar o luto e “tocar em frente”.


Hoje, só as mortes espetaculares como a do popstar Michael Jackson são admitidas; as outras são anônimas e geram um problema: como manejar a tristeza. Segundo Aurélio Fabrício Torres de Melo, psicoterapeuta e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, na atualidade, a morte está perdendo seu lugar. “E, se a morte está sendo ‘expulsa’, como lidar com o luto?”, questiona.


Roland Barthes, semiólogo e filósofo francês, amava e mantinha uma relação estreita com a mãe. Quando ela morreu, ele buscou confortar-se escrevendo sobre uma foto da mãe quando criança. 

Para ele, esta foi a forma de compreender aquela mulher e os seus sentimentos por ela. Barthes viveu seu luto e o registrou em “A Câmara Clara”. Não é preciso escrever um livro sobre seu sofrimento, mas é necessário vivenciá-lo.


Pequenos lutos


Na atualidade, a morte está perdendo seu lugar. E, se a morte está sendo 'expulsa', como lidar com o luto?


Aurélio Fabrício Torres de Melo, psicoterapeuta e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Momento dolorido da vida, o luto pode ser visto de uma forma abrangente e didática, como a proposta pelo professor Torres de Melo. Ele explica esse estado emocional como uma reação decorrente tanto da “pequena perda da criança que derruba o sorvete, até o exemplo clássico da viúva vestida de preto”. Ou seja, também ficamos “de luto” pelo fim de um relacionamento ou pela perda de um trabalho, por exemplo.


De acordo com Torres de Melo, sofremos pequenas perdas durante toda a vida e, mesmo as grandes e sofridas, seriam comumente precedidas de outras menores. Um exemplo é a angústia gerada pela percepção do envelhecimento dos pais, que sabemos, um dia vão nos deixar.


Medo

Não é novidade que temos medo e dificuldade em lidar com a morte, ela é misteriosa e foi vista por inúmeras lentes, como as do realismo fantástico do autor norte-americano H.P. Lovecraft. Para o escritor, escolhido como exemplo pelo professor Eugênio Mussak, médico e consultor nos campos da liderança, desenvolvimento humano e profissional, o medo é a mais poderosa e antiga emoção humana e o desconhecido, o desencadeador do medo mais profundo.


Tememos a morte, mas quando ela chega, não há escolhas, e a intensidade do luto depende da força da relação, dos sentimentos envolvidos, das expectativas nutridas. Assim, esclarece Maria Júlia Kovács, apesar de universal, cada um reage à sua maneira, mais penosa ou apaziguada, às perdas.


Fases


"Se dê o direito de sofrer, mas não morra junto".

Eugênio Mussak, médico e consultor nos campos da liderança, desenvolvimento humano e profissional.

Hoje, entende-se que não há fases obrigatórias ou sequências de sentimentos no luto, mas basicamente são considerados, em primeiro lugar, o choque gerado pela perda e, depois, o período de “elaboração” da ausência e da falta. Etapa muito variável, intensa ou contida, que dependente de fatores agravantes como a violência da perda ou as chamadas inversões, quando, por exemplo, filhos morrem antes dos pais.


Porém, o que importa, concordam Kovács e Torres de Melo, é que o luto seja vivenciado. Por sua vez, Mussak procura pensar da seguinte forma: “Se dê o direito de sofrer, mas não morra junto”.


Como enfrentar 

Não fique só! É o primeiro conselho. “As perdas, muitas vezes, não podem ser evitadas, mas a solidão, sim. A solidariedade e o conforto mitigam a dor”, ensina Torres de Melo.


Uma fórmula “caseira” usada por Torres de Melo para “tentar se preparar” para as perdas é derrubar a ilusão de posse em relação às coisas e às pessoas. Mas quando não há mais para onde correr, o professor defende: “No luto é muito importante que se promova uma catarse de sentimentos: chore o quanto precisar chorar, viva intensamente esse momento e compreenda o que está sentindo, incluindo as emoções que gravitam no ‘entorno’, como culpa, expectativa, fantasias e arrependimentos, que não mais poderão ser resolvidas”.


Em consenso com essa receita, Mussak argumenta que, de certa forma, nós só aprendemos a lidar com a morte (a nossa própria e a do outro), quando entendemos que ela faz parte do ciclo da vida. “O ciclo maior da vida é composto por outros menores, como a infância. Conseguimos fechar bem o grande ciclo, se os pequenos foram bem fechados.” Para ele, não aproveitar a vida é “morrer antes de morrer”.


Ajuda

Luto não é doença, mas nem sempre é possível viver essa fase sem auxílio profissional e especializado. A professora Kovács salienta que a primeira razão para alguém procurar ajuda especializada é a manifestação pessoal desse desejo.


Penso que a dor é proporcional ao espaço que a pessoa que morreu ocupava em nossa vida

Rubens Kutner, que perdeu a mãe em 2008Rubens Kutner, publicitário e ouvidor de uma universidade na Região Metropolitana de São Paulo, perdeu a mãe em setembro de 2008. Aos 77 anos, ela viveu os diversos estágios de um câncer e uma depressão. O filho conta que, nos últimos quatro anos em que a mãe esteve viva, foi seu cuidador e isso estreitou ainda mais a relação entre os dois.

“Minha mãe era uma mulher otimista, o ‘esteio emocional da família’. Penso que a dor é proporcional ao espaço que a pessoa ocupava em nossa vida”, disse Kutner. Para ele, ver a mãe mais frágil foi difícil, mas enfrentar a morte foi ainda mais.


O rapaz não pode dividir aquilo que sentia com pessoas próximas, então decidiu, por conta própria, procurar auxílio especializado. Hoje, fala no assunto com paz na voz. Ele mostrou fotos à reportagem do UOL, disse que os objetos da mãe ainda estão presentes na casa e que, por vezes, sente-se saudoso e triste, mas que está feliz na maior parte do tempo. Por fim, confessou que ter feito o máximo em vida por sua mãe lhe trouxe certo alento na hora da morte.


Casos como o de Kutner não são tão numerosos, então quem está próximo sempre pode indicar ou orientar essa busca quando percebe que o sofrimento do enlutado é muito intenso ou há risco de adoecimento físico ou psíquico. Ou seja, observe.


Algumas ações como ir muito ao cemitério, olhar muito para fotos e falar demais na pessoa precisam ser acompanhadas, mas em alguns casos são apenas formas que o enlutado usa para lidar com aquela situação. Essas ações não podem, porém, impedir novas relações, sentimentos, atividades e vontades.


Ao lado, sempre

Talvez o luto nunca se dissolva completamente. Talvez ele fique mais ameno com o tempo e se torne uma saudade e uma tristeza temporárias. Mas nos primeiros reveses desta experiência dolorida, aquele que perdeu precisa de carinho e apoio.


Para quem está próximo, a melhor atitude é estar presente, orientam Kovács e Torres de Melo. “Estar disponível às necessidades do outro e não ao que achamos que são essas necessidades”, explica a professora. Então, ouça, abrace, não necessariamente fale, esteja disposto a resolver problemas de ordem prática e simples. Esse tipo de atitude conforta e não condena o sofrimento do outro.

 



 

                                     A TERNURA DE UM PASSARINHO E A DOR DA PERDA 

 

 




Aconteceu numa praça, no Japão. Não se sabe como o pássaro morreu.



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Ele estava ali no asfalto, inerte, sem vida. Seria um fato corriqueiro, mas o fotógrafo fez a grande diferença.

 





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A Solidariedade

Segundo o relato do fotógrafo, uma outra ave permanecia próxima àquele corpo sem vida e ficara ali durante horas. Chamando pelo companheiro, ela pulava de galho em galho, sem temer os que se aproximavam, inclusive sem temer ao fotógrafo que se colocava bem próximo.

 


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A Solicitação

Ela cantou num tom triste. Ela voou até o corpinho inerte, pousou como querendo levantá-lo e alçou vôo até um jardim próximo. O fotógrafo entendeu o que ela pedia e, assim, foi até o meio da rua, retirou a ave morta e a colocou no canteiro indicado.   Só então a ave solidária levantou vôo e, atrás dela, todo o bando...   

 


Slide5A Despedida.

As fotos traduzem a seqüência dos fatos e a beleza de sentimentos no reino animal.

 

Uma Questão de Amor e Carinho.

Segundo o relato de testemunhas, dezenas de aves, antes de partirem, sobrevoaram o corpinho do companheiro morto. As fotos mostram quanta verdade existiu naquele momento de dor e respeito

 

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Um grito de dor e lamento

Aquela ave que fez toda a cerimônia de despedida, quando o bando já ia alto, inesperadamente voltou ao corpo inerte no chão e, num grito de não aceitação da morte, tenta novamente chamar o companheiro à vida. 



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Desesperada, mas com amor e carinho, ela se despede do companheiro, revelando o seu sentimento de dor.

 

 

 






        TERCEIRA IDADE TEM UM GRANDE POTENCIAL DE RETORNO PARA EMPRESAS
 

 SÃO PAULO – Atualmente, cada vez mais as pessoas estão preocupadas com o futuro e como estarão quando atingirem a terceira idade, seja em termos de saúde, seja em relação ao orçamento, à qualidade de vida e à vitalidade.

 

Tendo em vista a tendência de viver cada vez mais – hoje, um brasileiro vive mais de 70 anos –, um estudo feito pela Enfoque Pesquisa apontou a existência de um mercado consumidor muito pouco explorado pelo marketing.

 

Isso ocorre porque as empresas estão com os olhos voltados para os jovens, criando produtos e se comunicando prioritariamente com essa população.

 

Porém, o grupo de consumidores com mais de 55 anos, ainda pouco valorizado, parece ter um potencial enorme para trazer retorno às empresas que entenderem o seu estilo de vida, suas demandas e seus anseios.

 

Cabelo branco e muita ação

 

De acordo com o estudo, existe um tipo de pessoa da terceira idade classificado como "celebrator". Ao invés de viverem o cansaço de uma longa vida ou de não aceitarem a idade que possuem, as pessoas desse grupo descobriram que ainda têm muito o que viver.

 

Alguns hábitos que os pesquisados com mais de 55 anos mais valorizam, por exemplo, são a prática de exercícios físicos, a busca por uma alimentação saudável e equilibrada, e ainda o uso constante de cosméticos e perfumes.

 

Marketing para mentes ativas

 

De acordo com a presidente da Enfoque, Zila Knoploch, os "Celebrators" são justamente uma resposta à marginalização do idoso pela sociedade e pelo marketing.

 

"Com a pesquisa realizada, percebemos que este público se preocupa bastante em manter a vitalidade física para que o corpo possa acompanhar o seu intenso ritmo mental", explica Zilda. A mente desse público seria jovem e otimista, que encara de forma positiva o estágio da vida em que o corpo se encontra.

 

"Com isso, muitas empresas, que antes não focalizavam este segmento, podem definir de maneira correta quais são os produtos que seriam consumidos por este target, aumentando o índice de efetividade de suas campanhas e serviços", complementa a presidente.

 

Idoso com cabeça jovem e idoso com cabeça de idoso

 

O estudo ainda definiu outros dois grupos de consumidores da terceira idade, a partir do seu comportamento. "Um deles está em total enquadramenteo com o que a sociedade definiu como 'vida na terceira idade', que é cuidar dos netos, ter menos vaidade ou ficar 'invisível'. O outro está no extremo de se recusar a aceitar que chegou a este estágio, comportando-se e consumindo como os jovens fazem", destaca Zilda.

 

Para estes últimos, não adianta fazer ações de marketing direcionadas, alerta a executiva. "Eles vão comprar as marcas dos jovens, nas lojas dos jovens e serão vistos no ambientes freqüentados pelos mais jovens", analisa.


Fonte:http://dinheiro.br.msn.com/mercado/artigo.aspx?cp-documentid=27190341


 
A NEGAÇÃO DA MORTE A PREÇOS DE MERCADO.

 
Cada vez mais, as pessoas têm dificuldade em falar e vivenciar a morte; os rituais de luto estão sendo segregados às CTIs de hospitais e às salas de velório, organizadas de forma a tornar o contato com o morto (e a morte) o mais indolor possível.

 

A sociedade de consumo tenta dar à morte, ampliando o tabu que a envolve, uma nova embalagem mais ascética e aceitável, procurando contornar seu impacto, amenizar seu significado, reduzir os transtornos que possa acarretar. Mas a morte e o ritual do luto que a ela se segue estão permanentemente presentes em nosso cotidiano, pois vida e morte não podem ser separadas, mais ainda em tempos de guerra, como nos atuais, em que ela freqüenta de forma assustadora os noticiários sobre pessoas aos milhares morrendo em atentados terroristas ou nos campos de batalhas no Afeganistão e da Palestina. A guerra bacteriológica, epidemias de antraz e outros micróbios salta da ficção para a realidade.  

   

 Uma guerra lamentável instaura o sentimento de pânico e luto coletivo. Mas a sociedade de consumo não sabe e não quer saber lidar com isso.

 

 Tudo o que vivemos cabe em um determinado tempo e com a morte acaba-se a possibilidade de continuarmos a existir, ao menos nessa forma que conhecemos. O homem moderno, voltado para a produção e para o consumo, valoriza o fazer e o ter mais do que o ser. E a morte elimina isso, comenta Maria Helena Franco P. Franco, uma das primeiras psicólogas a tratar da questão do luto no Brasil e atualmente coordenadora do Laboratório de Estudos e Intervenções Sobre o Luto da PUC SP, LELu, e membro do Instituto Quatro Estações Instituto de Psicologia.

 

O avanço da ciência e o tecnicismo fizeram com que crescesse no mundo contemporâneo uma cultura de negação da morte.

 

Observando a história, percebemos que esse tabu foi se constituindo no decorrer dos últimos oito séculos e, mais aceleradamente, a partir do Renascimento e da Revolução Industrial.

 

A morte como solenidade pública e coletiva vai se transformando na morte de alguém fechado e isolado na CTI de um hospital. Na Idade Média, as sepulturas ficavam na Igreja, estando ao mesmo tempo no centro da vida social, analisa o antropólogo José Carlos Rodrigues, professor da PUC RJ, autor do livro O Tabu da Morte.

 

Esse processo de negação da morte deixa, evidentemente, seqüelas graves na psique do chamado homem moderno.

 

Seus sintomas manifestam-se de diferentes maneiras, indo da simples negação até o pavor extremo que causa depressões, as chamadas síndromes de pânico e outros tipos de disfunções.

 

Um dos temores mais fortes no ser humano é o da morte, que pode ser multifacetado. Pode-se ter medo do processo de morrer, do que vem depois, do que vai acontecer com o corpo; ou ainda de morrer cedo demais, de não ter dado assistência às pessoas que precisam etc.

 

Enfim, pode ser multidimensional. Isso pode estar muito ligado ao que chamamos corriqueiramente de síndrome de pânico. A pessoa sente essa falta de controle e vulnerabilidade, relaciona Maria Julia Kovács, coordenadora do Laboratório de Estudos Sobre a Morte do IPUSP.

 

O principal abrigo das pessoas para o absorver as dores de suas perdas tem sido historicamente as religiões, a espiritualidade sustentada em dogmas e intuições irracionalizáveis, em contraponto à racionalização cientificista.

 

Existem dois caminhos contraditórios: de um lado, temos o primeiro, que está na ciência que trabalha no sentido de derrotar a morte. Por outro lado, temos a espiritualidade, que tem a função de transcender a morte.

 

Além disso, as religiões oferecem explicações que são aceitas ou não.

 

São dois campos nos quais se fala de morte. Mas não podemos deixar de lembrar da diferença existente entre religião e espiritualidade. A primeira oferece determinados rituais, significados e respostas que tentam explicar o mundo. A espiritualidade também é um caminho para o ser humano se entender com a morte, sem que isso signifique entrar na moldura da religião, comenta Maria Helena P. Franco.

 

A morte não é o único fator que pode desencadear um luto, que em um sentido mais geral quer dizer perda: desilusões amorosas, derrotas esportivas, perda do emprego ou aposentadoria, falência de um negócio. Toda perda grave gera um luto.


A perda é uma das situações mais traumáticas da vida de um ser humano. O luto é a perda de pessoas próximas ou de situações que têm uma relação de vínculo conosco; há uma grande carga
 
energética vinculada.

 

É um processo de elaboração para que essa ferida sare. É muito importante a pessoa realizar que de fato a perda ocorreu, afirma Maria Julia Kovács.

 

O processo de elaboração de um luto segue um roteiro de fases: entorpecimento (período onde a pessoa ainda não realizou o fato); anseio e procura; desorganização; início da percepção; reorganização.

 

 

Essa divisão tradicional ajudou a entender o luto, mas atualmente se busca observar mais os padrões de comportamento, com um enfoque no indivíduo, do que referências cronológicas.

 

Trabalhamos muito mais com uma construção de significados para determinada morte, para a sua vida antes e depois daquela morte/perda?, analisa Maria Helena P.  Franco.

 

As conseqüências de um luto mal elaborado manifestam-se de diversas formas.

 

O que mais chama a atenção não é o sentimento em si, mas a sua duração e a intensidade.

 

É natural que as pessoas se sintam tristes ou até tenham um quadro de depressão, mas por um determinado tempo. Quando isso fica perene, então há um sinal de que a coisa não anda bem e que se tem um quadro patológico.

 

Freud levantou a tese de que certas pessoas têm uma disposição de ânimo patológico. Dessa forma, uma situação de luto pode se tornar complicada, comenta Maria Julia Kovács.

 

Algumas circunstâncias podem tornar mais traumático o processo de luto em casos de morte: Suicídios, acidentes, perdas de filhos, múltiplas perdas, pessoas solitárias, condições de vida precárias são algumas circunstâncias que fazem supor uma possibilidade de complicação no luto, ela complementa. 

 

 

Apesar do avanço tecnológico, o aumento da violência tem paradoxalmente banalizado a presença da morte em nosso cotidiano, vitimando em particular as camadas sociais excluídas do mercado de consumo.

 

Nas classes mais populares, em que a morte é uma coisa mais comum, por violência ou precariedade de vida, as pessoas tendem a se habituar e a gerar anticorpos, compara José Carlos Rodrigues.

 

Esse fato acarreta em danos para o processo de elaboração do luto.

 

Essas situações trazem um grave risco para que as pessoas desenvolvam um luto complicado, pois muitas vezes elas são sobreviventes da violência que aumentou assustadoramente. Como as pessoas têm de se defender, acabam não se importando mais, continua Maria Helena.

 

Uma metrópole como São Paulo apresenta contradições enormes. Num contexto de enormes desigualdades sociais, chacinas, seqüestros e homicídios tornam-se rotina.

 

Estão se mesclando várias mentalidades em relação à morte. Por um lado, preserva-se mais a vida das pessoas que têm acesso à ciência, que estão envelhecendo e vivendo mais tempo. Por outro, vivemos um paradoxo: muitas crianças e jovens sofrendo mortes violentas, alerta Maria Julia Kovács. 

Fonte: PSI - jornal - edição 130




                                                                          A ETIQUETA DO LUTO
 

                                                                                                                                             

Falar de Morte não é um dos assuntos preferidos, mas como dela ninguém escapa o melhor é enfrentar a realidade sem comprometer mais uma situação penosa com comportamentos e atitudes inadequados.

 

Segundo a Revista Claudia, há algumas regrinhas básicas para evitar certos desconfortos:

 

1- EVITE DIZER: “Eu sei o que você está sentindo”.

NÃO, VOCÊ NÃO SABE. Mesmo que tenha perdido a sua família inteira.Ninguém é modelo de nada e não é momento de contar a sua história.

“Essa é uma das posturas que mais incomodam o enlutado”, afirma a psicóloga Maria Helena Pereira Franco, coordenadora do Laboratório sobre o Luto, o LELU, da PUC de São Paulo.

O enlutado é o centro das atenções. Ouvi-lo é o melhor a fazer. “Quem sofre precisa falar do morto”, diz Maria Helena.

 

2- NÃO TENTE DAR SIGNIFICADO AO QUE ACONTECEU.

Afirmações como: “Você vai ser uma pessoa melhor depois disso”, Poderia ser pior “ou: ” Pelo menos ele não sofreu “ são tentativas inúteis de pintar um cenário cor-de-rosa. Aliás, sempre que sentir que uma frase iniciada por: “pelo menos!” meaçar sair, morda a língua. Não cabe a você interpretar os fatos nem querer tirar alguma lição de moral para dar ao outro “.

 

3- NÃO QUEIRA ACABAR COM O SOFRIMENTO.

“O luto é necessário – ou a dor ficará soterrada debaixo da futilidade, sua raiz enterrando-se ainda mais fundo”, escreve Lya Luft em Perdas e Ganhos (Record) A monja budista Kelsang Palsang de São Paulo, acrescenta: “Ninguém gosta de ver um amigo mal, mas tentar anima-lo artificialmente é uma agressão”.

Quando achar oportuno, em vez de dizer: “Você deveria se divertir”, ofereça sua companhia à pessoa.

 

4- ESTEJA ATENTA À RELIGIÃO DA FAMÍLIA.

Essa é outra fonte comum de trapalhadas e insegurança. Procure se informar. O envio de flores, por exemplo, varia bastante.É hábito para os católicos; não faz sentido para os mulçumanos e os espíritas; e não é prática entre os judeus. Eles acreditam ser inadequada a mistura da vida, representada pelas flores, com a morte. Quanto à hora certa de apresentar condolências, também há o que observar: Os judeus não costumam cumprimentar os enlutados no velório, esperando que eles se manifestem, caso desejem. Os mulçumanos recebem palavras de apoio só depois da cova fechada. Os budistas japoneses as apresentam em primeiro lugar ao chefe da família-ou à pessoa designada para atuar como tal no velório e entregam junto um envelope com dinheiro para ajudar nas despesas do funeral. Entre os evangélicos, o ritual do velório é dirigido ao bem-estar emocional e espiritual da família e não ao falecido- o caixão, inclusive, pode ser deixado sozinho.

Chorar descontroladamente ou questionar a justiça da morte é totalmente inadequado para os espíritas, que acreditam ser fundamental manter vibrações positivas durante o velório.

 

5- NUNCA FIQUE NA DÚVIDA SE DEVE OU NÃO IR A UM VELÓRIO.

“Embora não pareça, os rituais são fundamentais para ajudar a assimilar o que se passou”, observa Maria Helena. “Mesmo que a presença individual não seja percebida, ela faz diferença para a família”.

 

6- SE NÃO PUDER IR, ESCREVA.

Vale um telegrama ou um cartão.

Sobre o e-mail, ainda há controvérsias por ser considerado impessoal demais. Se colocar no papel a memória que você tem da pessoa, vai tocar o coração dos enlutados.

Nunca é tarde para isso, mesmo que já tenham se passado meses.

 

7- VISITAS, SÓ COM CONSULTA PRÉVIA.

A menos que você seja íntimo da família, prefira mostrar o quanto sentiu a perda indo ao enterro ou então na missa de sétimo dia e não com visitas em casa. “Para colegas de trabalho em luto, vale essa mesma regra”, recomenda a especialista em etiqueta Claudia Matarazzo.

 

8- SAIBA ESCOLHER.

O retorno da família à vida normal costuma provocar algumas saias-justas. É comum sermos tomados pelo pânico de dizer palavras inadequadas o que nos leva, infantilmente, a evitar a pessoa.

Não faça isso. Você não precisa cumprimenta-la com palavras de pesar. Prefira algo como: “Estou tão feliz de ver você aqui”. “Tocar no assunto assim que ela aparece é de mau gosto”, assegura a especialista em etiqueta Célia Ribeiro de Porto Alegre. Na dúvida, pense em como gostaria que fizessem com você. Não há melhor medida.

 

9- SEJA SEMPRE DISCRETO.

O valor da sua presença num cemitério ou crematório depende de seu comportamento. “Mesmo que não seja religioso, ao chegar, fique um minuto na frente do caixão, em sinal de respeito”, diz Célia. Nunca cumprimente a família quando ela estiver aguardando a retirada do caixão do local do velório nem faça questão de falar com a viúva caso ela esteja em choro compulsivo ou afastada. Não tente marcar presença a qualquer custo. Se você era amigo do morto, mas não conhece ninguém da família, apresente-se a alguém próximo dizendo que admirava muito a pessoa e peça a ela que faça a intermediação. Conhecer colegas que gostavam do falecido é, em geral, um bálsamo para os familiares. Em tempo: se considera a expressão “ meus pêsames” muito antiquada, substitua-a por um “sinto muito” ou por um abraço em silêncio. E jamais aproveite o velório para colocar o papo em dia com a prima que não vê há 15 anos.

 
Fonte: Revista Claudia 
                                                  



                                                MARIA JÚLIA KOVÁCS SOBRE ORTOTANÁSIA.

 

 

Eutanásia, ortotanásia e distanásia: do que estamos falando?


Eutanásia significa nos dias de hoje um apressamento da morte num procedimento ativo.

Distanásia significa prolongamento do processo do morrer, muitas vezes com sofrimento desnecessário. Neste caso, entra a idéia da ortotanásia, como morte no momento certo, o que poderia dizer um processo natural o que muitas vezes não ocorre nos dias de hoje em função da alta tecnologia.

 

Qual foi a resolução tomada pelo Conselho Federal de Medicina e por que ela é importante?


A resolução significa não é antiético desligar aparelhos ou realizar certas medidas extraordinárias ou invasivas em caso de doença em estágio terminal, irreversível e sem possibilidade de melhora.

 A  importância é que ajuda os médicos a tomarem certas ações sem temor de processo ou mau julgamento. Estas medidas só poderão ser tomadas com autorização do paciente e família.

 

Existe um conceito para paciente terminal?

 

Hoje se tem evitado falar de paciente terminal por ser um conceito com contornos vagos. Pode se falar em paciente gravemente enfermo, ou paciente com doença grave, irreversível. Desloca-se o conceito para a doença e não para a pessoa. 
 
Essa resolução é definitiva? Já pode ser aplicada?


A resolução foi aprovada pelo CFM. Tenho dúvida quanto tempo leva para que seja de fato validada pelos membros. De qualquer forma o desligamento de aparelhos em caso de irreversibilidade do quadro, e de sofrimento adicional já é realizada em consenso com os paciente e familiares. Acho que ela vai atingir mais aqueles profissionais que tenham dúvida sobre se devem ou não interromper procedimentos fúteis e invasivos quando não promovem melhora ou qualidade de vida. 
 
Pela resolução, com a autorização da família e ou do paciente, o médico pode desligar aparelhos ou deixar de realizar procedimentos evasivos. A família está preparada para tomar essa decisão? E o paciente?


Na verdade embora saibamos que a morte vai ocorrer ás vezes nos sentimos despreparados para ela. O que se propõe quando há o diagnóstico de uma doença grave e principalmente quando há o agravamento do quadro que os pacientes e familiares sejam esclarecidos e que possam participar das decisões referentes ao tratamento. Se esta comunicação existir desde o início da trajetória da doença será mais fácil no final. Se o contato for somente nas etapas finais a comunicação é também essencial, com esclarecimentos e decisões conjuntas há maiores possibilidades de se ter segurança e conforto nestes momentos difíceis. 
 
Na verdade, tudo isso nos remete a uma etapa da vida da qual ninguém gosta muito de pensar, não é? É difícil pensar na própria morte, na morte de alguém querido... Como podemos nos preparar, se é que isso é possível? Afinal, podemos ter que opinar, decidir conjuntamente com o médico diante de uma situação de final de vida.

 

Na verdade é importante poder falar da morte nas várias etapas da vida não só na doença. O que ajuda é falar sobre o assunto, ter a possibilidade de esclarecimento, de compartilhamento de sentimentos. Poder falar como gostaria que fosse o processo da morte, e principalmente o que não gostaria que acontecesse. Claro que não é um assunto fácil, mas é importante que possa ocorrer principalmente nas crises da vida e a aproximação da morte é uma delas.

 

Existe algum filme que você pode nos indicar sobre ortotanásia?

 

Invasões Bárbaras de Dennis Arcand

 

Maria Julia Kovács, Psicóloga. Professora Livre-Docente do Instituto de Psicologia da USP. Coordenadora do Laboratório de Estudos sobre a Morte. Autora dos livros: Morte e Desenvolvimento Humano, Educação para a Morte: Temas e reflexões e Educação para a Morte: Desafio na Formação de Profissionais de Saúde e Educação. Coordenadora do Projeto Falando de Morte

 
Fonte: www.oncoguia.com.br

                     

                         

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E-mails: lem@usp.br    e    lemipusp@lemipusp.com.br 

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