LUTO NA PANDEMIA

TRIBUTO A LEOCIR PESSINI

por Maria Julia Kovács


Padre Leo – Amizade e referência

Conheci Pe. Leo, como era conhecido por nós quando éramos jovens, ele capelão do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e eu docente do Instituto de Psicologia dando meus primeiros passos na discussão sobre morte com dignidade.

Fomos convidados para um debate sobre eutanásia, um tema polêmico hoje e mais ainda na época. Fiquei à época muito admirada com as suas sábias e humanas palavras. Como teólogo e como padre não era a favor da eutanásia, como se pode supor, mas o que me cativou foi uma atitude humana em relação ao sofrimento humano e uma busca de compreensão do que poderia estar motivando esse pedido por pacientes com doença avançada ou por pessoas com dores das mais diversas ordens. Não havia dogmatismo e sim compreensão. Relatou a sua atividade cotidiana à beira do leito ouvindo as demandas e necessidades dos pacientes em seus questionamentos sobre a vida, a morte, a fé e o que estivesse presente naquele momento. Um ser humano entregue totalmente no cuidado a outro ser humano.

A partir desse momento tornei-me parceira dele, uma colega, uma admiradora. Lembro o impacto que foi a sua obra Distanásia até quando prolongar a vida, que passou a ser a minha obra de referencia no tema, que hoje é o assunto que me motiva para a pesquisa, reflexão e escrita. Tornei-me militante na questão do prolongamento do sofrimento no momento da morte, a distanásia, praticada nas catedrais do sofrimento, suas palavras, nas modernas Unidades de Terapia Intensiva, nos grandes hospitais brasileiros.

O seu doutorado foi na área da Bioética e várias de suas obras apresentavam discussões importantes sobre grandes problemáticas na área da saúde. Foi um árduo defensor da humanização nos cuidados a pacientes com doenças que ameaçavam a vida e seus familiares, reforçando a presença de cuidados espirituais a pessoas em sofrimento psíquico, existencial e espiritual. Muitos profissionais de saúde puderam se beneficiar de seus ensinamentos nos vários livros que publicou em que tive a honra de participar

Nossa parceria com o Padre Leo deixou-nos com um legado muito importante presente em dois de nossos filmes do Projeto Falando de Morte. No filme Falando de Morte com os Profissionais de Saúde ele fala sobre  distanásia dando uma explicação clara e objetiva.

Tivemos também a presença do Pe. Leo no filme Cuidados Paliativos e nesse mais do que a sua contribuição nas falas houve também o patrocínio financeiros do filmes pelo Grupo São Camilo, quando já não pudemos contar com o financiamento da Universidade de São Paulo. Dr Pessini nesse filme fala sobre o trabalho multidisciplinar em cuidados paliativos como membro da equipe, enfatizando a importância dos cuidados espirituais. Tem também uma outra fala sobre sedação paliativa como tratamento especializado em programas de cuidados paliativos, apontando as diferenças com a eutanásia, já que seu objetivo principal não é o de induzir a morte e sim aliviar o sofrimento refratário quando outras medidas já não surtem efeito, como ele diz diminui-se a consciência, mas não se encerra a vida biológica.

Padre Leo responsável pela formação de muitos profissionais de saúde deixa várias obras.

A nós seus discípulos ficam as lembranças de suas palestras,  a sua bondade de compartilhar seu conhecimento nos livros e na orientação, a sua amizade, seu companheirismo na luta para a humanização na área da saúde, na formação de teólogos, bioeticistas e na sensibilidade para abordar temas difíceis que ainda precisam de muito reflexão e debate, destacando-se a questão da distanásia.

(Fonte Internet)

 Padre Leocir nasceu em 14 de maio de 1955 na cidade de Ibicaré (SC), ingressou no seminário São Camilo em Iomerê (SC) iniciando o noviciado em 25 de janeiro de 1974. A primeira profissão religiosa na Ordem dos Ministros dos Enfermos foi em 26 de janeiro de 1975.

A profissão perpétua aconteceu em 25 de janeiro de 1978, a ordenação diaconal em 21 de fevereiro de 1980 e a ordenação presbiteral em 23 de outubro de 1980 por dom Paulo Evaristo Arns. Pe. Leo é doutor em Bioética sendo um grande referencial dessa área no Brasil. Escreveu inúmeros livros sobre o assunto e ministrou inúmeros cursos no Brasil e em outros países.

Padre Léo foi coordenador da Delegação de Pastoral da Saúde da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) entre 1994 e 1997 e membro da Equipe de Apoio do Observatório Pastoral do Conselho Episcopal Latinoamericano (CELAM).

Tendo sempre cultivado uma grande paixão pelo carisma camiliano, o cuidado com os enfermos, a humanização do mundo da saúde, e o ensino das disciplinas bioéticas, Pe. Leo – como era carinhosamente chamado por seus confrades – foi Superior Provincial da Província Camiliana do Brasil, no período 2010-2014, quando em junho de 2014 foi eleito Superior Geral dos camilianos no 58º Capítulo Geral  da Ordem.

Nesses cinco anos visitou todas as comunidades da Ordem, encontrou os confrades em todas as latitudes (em 39 nações), partilhando com eles as fadigas e esperanças no grande desafio de encarnar o carisma do cuidado com os enfermos e de ensinar outros a fazerem o mesmo.

Descoberta a enfermidade, em setembro de 2017, transcorreu alguns meses de tratamento em Roma – onde residia como Superior Geral da Ordem –, e desde março deste ano se transferiu para São Paulo.

“Os cuidados oferecidos pelos médicos, a fraternidade dos confrades e o afeto de seus pais e de suas irmãs acompanharam-no e o consolaram em seu encontro com a face boa e misericordiosa de Deus”, lê-se no comunicado da Família Camiliana.

Tempos atrás concluiu um breve escrito seu com uma seguinte reflexão. “Para mim é muito verdadeira e profunda a expressão do famoso poeta T.S. Eliot (1888-1965): Devemos continuar buscando, mas no final da nossa busca voltaremos ao ponto de partida e conheceremos este lugar pela primeira vez” – palavras que agora assumem um significado mais profundo ainda, vez que o religioso camiliano volta agora para a Casa do Pai.

 Sinais de Quem Comete Suicídio nem Sempre são Claros

Ouça entrevista com a Profª Maria Julia Kovács na Rádio USP

http://jornal.usp.br/atualidades/sinais-de-quem-comete-suicidio-nem-sempre-sao-claros/